Gore ameaça Hollywood com regulamentação de filmes e videogames

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Por Agencia Estado
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O vice-presidente Albert Gore advertiu hoje os produtores de filmes, música e videogames que proporá a regulamentação da distribuição de seus produtos a crianças e jovens se eles continuarem a ignorar as normas que adotaram anos atrás para desestimular o acesso de menores a material que faz a apologia da violência. Confiante em sua eleição à Casa Branca, em novembro próximo, Gore disse ao New York Times que dará um prazo de seis meses para Hollywood e as indústria fonográfica e de videogames corrigir o problema ou enfrentar a possibilidade de sanções oficias. Um claro gesto eleitoral calculado para atrair votos no eleitorado feminino e negar um tema de campanha a seu rival republicano - o governador do Texas, George W. Bush -, a declaração de Gore foi uma reação antecipada a um relatório de 104 páginas altamente crítico dessas indústrias divulgado hoje pela Federal Trade Comission (FTC), a agência oficial antitruste que tem também jurisdição sobre casos de abusos de publicidade. O estudo foi encomendando pelo presidente Bill Clinton depois do massacre do colégio público de Columbine, no Colorado, no início do ano passado, no qual dois estudantes fuzilaram doze colegas e um professor e depois se mataram. O assunto tem bom potencial como tema eleitoral e deve passar a semana no noticiário. Na quarta-feira, o senador John McCain, republicano de Arizona, presidirá o primeiro grande debate público sobre o estudo na Comissão de Comércio do Senado. Um dos convidados a falar é seu colega democrata de Connecticut, Joseph Lieberman, companheiro de chapa de Gore e judeu ortodoxo que se notabilizou como um dos críticos mais veementes da ausência de um compasso moral dos grandes estúdios cinematográficos de Hollywood. "A indústria está provocando (a sociedade a impor) restrições legais à sua liberdade", afirmou Lieberman no ano passado. No início da década de 90, a mulher de Gore, Tipper, dirigiu uma frustrada campanha para convencer a indústria fonográfica a adotar um sistema de classificação de música de acordo com o conteúdo de violência e/ou sexual das letras. Denunciada como uma forma de censura, a idéia não prosperou. Preparado com base em documentos fornecidos pelos estúdios, pelas gravadoras e pelos fabricantes de jogos eletrônicos, o relatório concluiu que há "um marketing amplo e agressivo" de filmes, música e videogames dirigidos a crianças mesmo nos casos em que esses produtos foram rotulados por seus produtos como apropriados apenas para o público adulto. A FTC não vai tão longe quanto Gore e recomenda que a própria indústria faça uma melhor autoregulação da distribuição de produtos considerados impróprios para menores. Mas a agência federal é cortante em sua condenação, afirmando que a indústria do entretenimento está desacreditando os sistemas de classificação que adotou voluntariamente para alertar os pais sobre o conteúdo de violência de filmes, CDs e videogames. "Essa estratégia de marketing frustra as tentativas dos pais de tomar decisões bem informadas sobre a exposição de seus filhos a (material) de conteúdo violento". O estudo não identifica produtos e fabricantes, mas oferece farta munição aos críticos. Um exame das táticas de comercialização de 44 filmes classificados R, ou impróprios para menores de 17 anos, constatou que versões iniciais de 33 deles foram exibidas a jovens com menos idade em testes de marketing. Oito desses filmes foram testados com crianças de até 12 anos e, em um caso, de 10 anos. "Os estúdios fazem repetidamente publicidade de filmes que foram classificados R por causa de violência em programas de televisão que têm alto índice de audiência entre adolescentes", afirma o estudo. Eles também compram mais espaço publicitário aos sábados e domingo e depois do horário escolar durante a semana, quando a audiência infanto-juvenil é maior. A publicidade de filmes impróprios para menores em revistas dirigidas ao público jovem é outra tática usada pela indústria, informou a FTC. O estudo diz que a publicidade dos filmes classificados PG-13, que alerta os pais sobre cenas de violência e sexo que eles podem achar impróprias para menores de 13 anos, é sistematicamente dirigida ao público pré-adolescente. Outro problema é a pouca disposição dos cinemas de aplicar a norma adotada pela indústria cinematográfica para coibir a entrada de menores em filmes classificados R. Quase metade das 395 salas de cinema monitoradas pela FTC durante a elaboração do estudo falharam no teste. Jogos - O relatório é crítico também da indústria de videogame, que, junto com Hollywood, é o alvo preferido das acusações de políticos, educadores e grupos cívicos contra produtos que promovem a cultura da violência - um dos argumentos invocados para explicar os massacres de estudantes por estudantes ocorridos em cinco Estados nos último três anos. O estudo constatou que três quartos dos 118 videogames examinados, todos rotulados para maiores de 17 anos, tiveram publicidade dirigida para menores de 16. Embora afirme que existe "uma forte correlação entre a exposição (de crianças e jovens) à violência e o comportamento por vezes agressivo e violento" que elas exibem, a FTC ressalva que a violência dos filmes, dos videogames e dos CDs não são o único nem o mais importante fator que contribui para os atos de violência cometidos por adolescentes e jovens. A indústria cinematográfica reagiu da maneira esperada. Antes mesmo de ler o relatório, Jack Valenti, o presidente da Associação Americana de Cinematografia, disse que o impacto da violência dos filmes sobre o comportamento das crianças não está comprovado. "Se os filmes fossem a causa da decadência moral, a criminalidade deveria estar aumentando nos Estados Unidos, mas ela está diminuindo", disse ele. Valenti foi irônico em relação à advertência feita por Gore e a descartou como mera propaganda eleitoral. "Francamente, se eu fosse candidato estaria eu próprio esculhambando a indústria cinematográfica", disse ele ao Times. "O vice-presidente e Lieberman são pessoas muito inteligentes" e compreendem que "se a FTC não recomendou a intervenção do governo - para resolver um problema que não existe, eu acrescentaria - é porque sabem que legislação nesse sentido morreria no primeiro tribunal federal que a examinasse" afirmou Valenti, numa referência à primeira emenda da Constituição americana, de 1792, que proíbe expressamente o Congresso de aprovar lei restringindo a liberdade de expressão. Por causa dessa garantia da lei fundamental do país, é altamente improvável que o relatório da FTC sirva para justificar ações legais contra a indústria do entretenimento. Especialistas legais disseram que o Congresso poderia tentar aprovar algum tipo de regulamentação da distribuição para menores de filmes, CDs e jogos eletrônicos com base nas leis de proteção do consumidor que proíbem a propaganda falsa ou enganosa. Mas nenhum dos que se pronunciaram vê boas chances de tal restrição sobreviver ao teste da constitucionalidade.

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