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Glauber Rocha ainda é referência para jovens cineastas, como seu filho

Eryk Rocha mostra influencia do pai - morto há quase 30 anos - durante festival de cinema

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

SÃO PAULO - Dentro de dez dias, no dia 22, completam-se 30 anos da morte de Glauber Rocha. 30! Se é verdade que a garotada entre 15 e 30 anos compõe o grosso do público que vai aos cinemas, a maioria dos espectadores do País ainda nem era nascida ou estava nascendo quando o mais importante - e polêmico - autor de filmes do Brasil morreu. Tarcísio Meira, que estrelou seu último filme (A Idade da Terra, de 1980) disse numa recente entrevista ao Estado que Glauber faz falta.Ele lembrou o apresentador que fustigava políticos na TV e disse que Glauber teria material de sobra para suas diatribes com o que se passa no País - e no mundo. Essa relação forte com a política é o que Jeferson De ressalta como o grande legado do artista. Jeferson está em Gramado, como integrante do júri da competição nacional no 39.° Festival de Cinema Brasileiro e Latino. Jeferson ama Barravento. O filme ‘afro-brasileiro’ de Glauber tem tudo a ver com ele, a começar pela oposição entre racionalismo e religiosidade popular. "Sempre ouvi dizer que é preciso matar o pai e que seria Glauber. Mas Glauber é meu avô, além de ser fundamental no cinema brasileiro. O pai que eu talvez tenha de matar é Fernando Meirelles, de Cidade de Deus."E Jeferson destaca que, para a novíssima geração que, num festival como Gramado, participa com curiosidade de todos os eventos, querendo se (in)formar, Glauber é muito mais um exemplo. "Você olha a tela e o mundo aqui fora. É tudo Brasil. A política é indissociável do cinema." É o que o próprio filho de Glauber, Eryk Rocha, ressalta em sua avaliação. Estreia nesta sexta-feira o primeiro longa de ficção do cineasta. Glauber, muito provavelmente, ficaria orgulhoso de seu filho (com Paula Gaetán). Transeunte é muito bom, um filme na contracorrente - sobre um idoso -, com uma sofisticada pesquisa de imagem e som.Eryk tinha 3 anos quando seu pai morreu. Que lembranças ele pode ter desse pai? Glauber é um mito para ele? "Nãããooooo." A resposta vem veemente. "Ele é meu pai, meu inspirador." E ele lembra seu primeiro longa, Rocha que Voa. "É meu poema, minha carta para Glauber" - ele nunca diz "meu pai". "Rocha que Voa carrega uma tripla declaração de amor. A Glauber, ao cinema e à América Latina." E ele admite que leu e ouviu tantas histórias que as coisas se misturam no seu imaginário, como se fosse uma ‘desfronteira. "Glauber é mais que um diretor, um autor. É um grande artista, um pensador, um filósofo. Sua obra e personalidade são um permanente estímulo para mim."Não só para o filho. O diretor chileno Pablo Perelman, presente em Gramado, mostrou, até agora, o mais belo filme latino da competição, La Lección de Pintura. Cinéfilo de carteirinha - tem sido ouvinte nos debates, adorou As Hiper Mulheres -, ele diz que Glauber integra sua tríade dos maiores filmes latinos, a saber: Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea; O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel; e Terra em Transe, de Glauber. O que o atrai em Terra em Transe? "É sua construção entre o detalhe e o amplo, entre o íntimo e o épico. Glauber apontou caminhos. É um grande artista latino-americano."Quando Jeferson De diz que Glauber é o pai que é preciso salvaguardar, a ideia por trás de sua fala é justamente essa. Glauber foi o principal nome do Cinema Novo e, durante muito tempo, o movimento colocou o homem brasileiro na tela, sem a contrapartida de ter muito público nas salas. Os filmes eram considerados herméticos, difíceis. Glauber, por mais radical que fosse, não desprezava o público. Quando retomou o personagem de Antônio das Mortes em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, ele fez do filme o seu western - político, ideológico, mas na essência um bangue-bangue.O grande legado - ao mesmo estético e político de Glauber - está na bipolaridade que rege a estrutura de seus filmes. Deus e o Diabo na Terra do Sol, os personagens de Diaz (Paulo Autran) e Vieira (José Lewgoy) em Terra em Transe, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. Eryk Rocha diz que seu pai foi um pensador, um filósofo. Como pensador, numa era de transformações na América Latina, Glauber quis refletir sobre a condição do colonizado. Ele chegou à conclusão de que há uma defasagem entre o desenvolvimento da matriz, o colonizador, e sua assimilação pelo colonizado. Essa assimilação nem sempre é linear. Tem gaps. Como expressar isso na tela. Por meio do transe, da descontinuidade. Foi o grande legado do seu gênio.

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