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Giorgetti faz da cidade personagem

Gustavo, o príncipe, funciona mais como observador. Ele vai e volta, e a atuação contida de Tornaghi beneficia seu distanciamento da trama

Por Agencia Estado
Atualização:

Quem são os amigos do "príncipe", no novo filme de Ugo Giorgetti, que estréia amanhã na cidade? Um deles é Marino Esteves (Ewerton de Castro) que, de professor, tornou-se próspero marqueteiro cultural. "Você precisa voltar, cara, cultura agora dá dinheiro", diz ele ao príncipe (Eduardo Tornaghi). O outro é Renato (Otávio Augusto), jornalista que ficou paraplégico num acidente e destila fel com raro profissionalismo. É ele quem sai com Gustavo do tradicional restaurante Paddock (que fechou as portas logo depois de concluído o filme) para a Praça Dom José Gaspar, onde recita Dante. Mário (Ricardo Blat) é o sobrinho que enlouqueceu. Ele dava aulas num colégio e decidiu que, como o Brasil não tinha uma história real significativa, o jeito era inventar um passado imaginário. Há ainda Aron (Elias Andreato) que desistiu da literatura, afastou-se de todos e dedica-se aos pobres. A ex-namorada é Maria Cristina (Bruna Lombardi) agora também dedicada à promoção de "eventos" culturais. A palavra é essa - "evento", termo-chave da nova ordem econômico-cultural. Gustavo encontra a cidade sucateada e a cultura entregue aos filisteus. "Longe de mim fazer patrulha, mas esse projeto cultural que está aí é totalmente equivocado", diz o diretor. Ugo acha engraçadas as filas imensas para as exposições de Rodin e Monet e se pergunta se as pessoas estão de fato vendo as obras ou indo na onda do "evento". Mais: "A burguesia nunca se interessou pela arte, por que agora esse oba-oba?" A arte virou enfeite e negócio. Badalação para colunistas sociais. Daí a necessidade de intelectuais, como Marino, ou Maria Cristina, promoters que emprestam respeitabilidade ao business cultural. Gustavo, o príncipe, funciona mais como observador. Ele vai e volta, e a atuação contida de Tornaghi beneficia seu distanciamento da trama. Faz o papel da consciência da mudança, percepção só evidente para quem não acompanhou de perto o longo projeto de degradação do País. Como se sabe, o caos vai se instalando aos pouquinhos, de modo que, quando chega, nos encontra já preparados para recebê-lo como natural. Os promoters culturais, Maria Cristina e Marino Esteves, souberam se adaptar à nova ordem e vivem, ou sobrevivem, de maneira cínica ou amargurada. Aron saiu do mundo e encontrou seu caminho no assistencialismo. Mário é a consciência viva, não da crise (pois esta é temporária), mas da degradação definitiva. E essa consciência levou-o à loucura. Uma loucura borgiana, inspirada no conto Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, no qual o escritor argentino fala de um mundo teórico, que existe exclusivamente na imaginação do seu criador. Mário inventa para ele um Brasil glorioso, mais suportável que o Brasil real. O outro personagem do filme, a cidade, não parece em melhor estado do que Mário. Ugo Giorgetti é um especialista em espaços fechados, como os que usa em trabalhos anteriores, Festa e Sábado, passados praticamente num único ambiente. O huis clos, agora, é a cidade inteira. Além da degradação do centro, o cineasta visita a outrora tranqüila Rua Mourato Coelho, na Vila Madalena, transformada numa babilônia de bares. Passa por ruas imundas no Bom Retiro, lança um olhar nostálgico à antiga Faculdade de Filosofia, na Rua Maria Antônia e também visita a arquitetura modernosa da Berrini - talvez o emblema ideal dos novos tempos e da nova ordem. De leve - Desolador? "Não acho", diz Ugo, "eu até peguei leve". E, de fato, o retrato pintado poderia perfeitamente ser mais sórdido. Imagens para tanto não faltariam. E poderiam ser captadas se a intenção do filme fosse fazer uma caricatura da cidade, das pessoas ou do País. O Príncipe, no entanto, é um trabalho matizado. Nenhum dos personagens, por desencantado ou imerso na sordidez que esteja, deixa de apresentar um lado humano. Nem que seja em honra aos bons tempos. E o cineasta se reserva o direito de discordar de quem o acusa de pessimismo: "Fui apenas realista", afirma. Um realismo duro, às vezes até cômico de tão dolorido. Como Gustavo, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso era conhecido como "o príncipe" nos tempos de vida universitária. Giorgetti jura que não fez esta associação. Mas não pode negar que seu filme define, à perfeição, o estágio - econômico e ético - a que chegaram São Paulo e o Brasil ao fim da era FHC. Serviço - O Príncipe. Direção de Ugo Giorgetti. Brasil/2002. Duração: 102 minutos. Espaço Unibanco 1, às 14 horas, 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. Metrô Santa Cruz Cinemark 5, às 18h40 e 21h10 (sexta e sábado também 23h30). Morumbi 6, às 14h30, 16h45, 19 horas e 21h15. Sala UOL, às 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas (quinta não haverá a última sessão). Unibanco Arteplex 3, às 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. Censura: 12 anos

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