'Getúlio' promete ser o thriller do ano

Longa', com Tony Ramos e que estreia dia 1º de maio, recria a história do Brasil numa trama política de tirar o fôlego

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Por Luiz Carlos Merten
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Isolado no Palácio do Catete, Getúlio Vargas resiste aos apelos da filha, Alzira, e dos fiéis que permanecem a seu lado. Diz que já rasgou duas Constituições - não rasgará a terceira, mesmo que isso lhe custe o cargo, a Presidência da República, e a própria vida. Alzira, o general Zenóbio, ministro do Exército, que Getúlio jurava que iria traí-lo, mas não o fez, todos o exortavam a colocar os tanques na rua e a isolar a oposição que articulava um golpe. Até o fim, Getúlio é um lobo solitário que assiste ao colapso de seu governo. Ao irmão, Lutero, que não o informou do envolvimento de seu guarda-costas, Gregório Fortunato, no atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, ele diz amargamente - "Com aliados assim, quem precisa de inimigos?"Getúlio Vargas é um dos personagens emblemáticos da história do Brasil. Ditador durante o Estado Novo, voltou ao poder eleito pelo voto popular. Para sua estreia na ficção, João Jardim, autor de documentários como Janela da Alma e Pro Dia Nascer Feliz, fez uma escolha audaciosa - ele reconstitui, em formato de thriller, os 19 dias que abalaram o Brasil, em agosto de 1954. No dia 5, houve o atentado contra Lacerda, na Rua Toneleros. No dia 24, face ao clamor que exigia sua renúncia ou deposição, Vargas matou-se, disparando um tiro no peito. Como antecipou em sua carta-testamento, saiu da vida para entrar na História. Uma multidão sem precedentes acompanhou-o na morte.Livros, minisséries e documentários já tentaram iluminar a era Vargas e o próprio personagem. Mas nunca houve um filme como o de João Jardim. Um thriller poderoso - "Vi filmes como Z, de Costa-Gavras, e Sol, de Alexander Sokurov, que não têm nada em comum entre si e não têm nada a ver com Vargas, mas uma vez escolhido o recorte dos últimos dias encontrei neles uma forma de tratar o tempo e encarar a derrocada. No filme de Sokurov, o imperador tem de admitir que é um homem e assumir sua derrota. É uma elegia fúnebre. Getúlio, atormentado pelos pesadelos de que será preso e destituído de sua dignidade presidencial, prefere a morte à desonra."Até hoje, embora ele tenha sido eleito e tenha recusado rasgar sua terceira Constituição, muita gente ainda se refere a Getúlio como 'ditador'. No documentário de Ana Carolina, ele era o pai do povo, criador de uma legislação favorável ao trabalhador. Simultaneamente, Juan Domingo Perón, insuflado por sua Evita - a mãe do povo -, fazia o mesmo na Argentina. Isso valeu a ambos a etiqueta de clientelistas e demagogos, além do ódio eterno das classes dominantes. Getúlio discursava - "Trabalhadores do Brasil!' Por isso mesmo, João Jardim admite que a data de estreia foi marcada com antecedência e negociada com os exibidores - 1.º de maio, Dia do Trabalhador. A previsão é de uma estreia grande, mas não gigantesca - 200 salas. E Getúlio vai enfrentar concorrência pesada - 'Um homenzinho muito popular', diz o diretor, referindo-se a O Espetacular Homem-Aranha, de Marc Webb, que também vai estrear nesse dia em 2D, 3D, 4D e Imax.João Jardim esperou um ano, até que Tony Ramos terminasse sua participação numa novela, para se assegurar de que ele seria o seu protagonista. A transformação é impressionante. O ator vestia diariamente no set uma armadura que lhe dava o aspecto redondo do ex-presidente. O desconforto que o disfarce produzia serviu como álibi para que, em muitos momentos, ele se isolasse no set para mergulhar no que chama de 'contradições de Getúlio'. "Tive um companheiro de elencos, um grande ator chamado Mário Lago, que me contava do horror que haviam sido as perseguições do DIP, o Departamento de Informação e Propaganda do Getúlio, no Estado Novo. Ele foi um ditador, e truculento, mas no final da vida, naqueles 19 dias, era outro. Até hoje, se você vai ao Brasil profundo e fala com pessoas de mais idade, reencontra os órfãos de Getúlio. Ele era não só o ditador, mas também foi. Quem quiser fazer o filme sobre o outro Getúlio, que faça. O nosso não é chapa-branca."É um tragédia feita de pausas e silêncios. A solidão do grande homem. Getúlio sente-se traído. O desgosto o atinge e consome. E o Getúlio de 1954 é um homem que nunca superou a dor da perda do filho, Getulinho, 11 anos antes. "Isso faz parte dos anais da República. Getúlio nunca se perdoou por não estar no Rio quando ele morreu. A perda o separou da mulher, Darcy, que não morava com ele." Filmar no Catete, transformado em museu, foi outra coisa importante. "O palácio é um personagem, mas isso não pesava. Acho que só quando filmamos o suicídio, em meio àqueles objetos todos, eu usando a réplica do pijama, foi que deu para perceber a comoção que todo mundo sentia." Ramos diz que nunca duvidou de que João Jardim estivesse fazendo um grande filme. "Ele se preparou muito. Tinha a firmeza de um comandante." No final, uma frase atribuída a Tancredo Neves adverte - o suicídio retardou 1964. O golpe teria vindo antes. "A riqueza do filme pode ser resumida assim - é um convite à reflexão", conclui Tony Ramos.

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