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"Garrincha" apresenta jogador aos italianos

Documentário de Paulo César Saraceni foi encomendado pela RAI, rede italiana de televisão, e termina com sua ex-mulher Elza Soares cantando Meu Guri, de Chico Buarque, que foi seu amigo

Por Agencia Estado
Atualização:

Emocionada, Elza Soares não contém as lágrimas ao cantar Meu Guri, de Chico Buarque, entremeando a canção com declarações amorosas a Garrincha, seu ex-marido. Um momento de tocante improviso, que deverá encerrar o documentário que o diretor Paulo César Saraceni acabou de montar sobre o jogador e que terá como título apenas seu nome, Garrincha. "Não pedi nada a ela, apenas esperava encerrar o filme com a música", conta o diretor, que ainda está na Itália, onde concluiu o trabalho de edição. "Mas a saudade a tocou de tal forma, que foi impossível interromper a filmagem." O documentário foi encomendado pela RAI, rede italiana de televisão, interessada em mostrar mais detalhes sobre a vida e a carreira de um dos maiores jogadores brasileiros que, ironicamente, ainda é um desconhecido pela maioria dos tifosi, os torcedores italianos. Para tanto, Garrincha, que deverá ser exibido lá em setembro, conta com figuras conhecidas entre seus convidados. Como o atacante Ronaldo, da Internazionale, que, apesar de não ter visto Garrincha jogar (ele morreu em 1983, aos 49 anos), puxa pela memória as imagens a que já assistiu pela televisão. "Ele ainda é uma fonte de inspiração para os jogadores que gostam de atuar com alegria", comenta. Outra grata referência aos italianos é a presença do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda. Saraceni conta que em vez de colher um simples depoimento do músico, o que seria uma atitude formal, decidiu inovar - acompanhado de Nílton Santos, um dos maiores laterais da história do futebol brasileiro e grande amigo de Garrincha, o cineasta surpreendeu Chico Buarque ao chegar com o jogador e uma equipe de filmagem no campo do Polytheama, time de futebol do músico. "Eu estava preparado para falar sobre o Garrincha, mas eu não esperava ter a companhia tão agradável do Nílton Santos, que contou histórias maravilhosas", disse o compositor, segundo conta Saraceni. Chico conheceu pessoalmente Garrincha, no início da década de 70, quando morava em Roma. Em janeiro de 1970, Garrincha e Elza Soares embarcaram para a capital italiana, onde ela faria uma série de apresentações. O problema é que o jogador não dominava (nem tinha intenção de dominar) a língua italiana e para ocupar o tempo, disputava jogos amistosos sem grande expressão e em campos esburacados. Um dos amigos que o transportava para esses amistosos era justamente Chico Buarque em seu Fiat. Garrincha visitou o compositor duas vezes em seu pequeno apartamento na piazzale Flaminio. No primeiro encontro, a amizade foi selada com o consumo de uma garrafa inteira de grappa. Chico lembra que os dois desceram para comprar outra na loja da rua, quando o povo reconheceu Garrincha. Curiosamente, a estima da vizinhança pelo compositor cresceu espantosamente. O jornalista Ruy Castro conta, em seu livro Estrela Solitária (Companhia das Letras), que os dois tinham o que conversar, apesar das preferências tão díspares: "O tricolor Chico queria falar de futebol e Garrincha, de música popular. Garrincha surpreendeu Chico, que o imaginava apenas fã de Emilinha Borba ou Ângela Maria: falou de Bossa Nova com algum conhecimento e disse que um de seus cantores favoritos era João Gilberto." Dribles - No encontro no campo do Polytheama, o compositor divertiu-se com as histórias contadas por Nílton Santos, que foi um dos primeiros a indicar a contratação de Garrincha pelo Botafogo carioca. O dia do teste, aliás, ainda é mítico para muitos, pois foi a primeira vez em que o jogador de pernas tortas exibiu suas excepcionais qualidades para um público categorizado. Já consagrado na época, Nílton foi tentar desarmar Garrincha durante o treino e acabou surpreendido por um drible seco. Nova tentativa, nova frustração. Garrincha chegou ao sacrilégio de passar a bola entre as pernas de seu futuro compadre, que logo seria conhecido como a Enciclopédia do Futebol. "Há muitas histórias sobre o Garrincha que só quem conviveu com ele durante anos saberia contar com exatidão", conta o lateral, que viajou de Brasília, onde mora, até o Rio para participar da gravação. Ao final da conversa, Nílton e Chico foram surpreendidos com a chegada de outro ex-jogador, Vavá, que se juntou ao grupo para contar mais histórias. "O saldo foi mais que positivo", comenta Saraceni, que gravou tudo. Outra figura importante do documentário, mas que trabalha atrás das câmeras, é o diretor de fotografia Mário Carneiro. Assíduo colaborador de Saraceni, ele fotografou também o média-metragem Garrincha, Alegria do Povo, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade em 1963, o que lhe permitiu conviver com o atacante e constatar a genialidade dentro de campo e a ingenuidade fora dele. Imagens desse filme, aliás, deverão figurar no trabalho de Saraceni, o que depende ainda do acerto com o produtor Luís Carlos Barreto. "O preço da cessão de imagens está alto", comenta o cineasta.

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