O inquebrantável sorriso da documentarista americana Maryann DeLeo subitamente se transforma em um irritado biquinho quando o repórter lhe pergunta sobre Michael Moore. "Não gosto do que ele faz. É um exibicionista, não um jornalista", dispara Maryann, que posa como uma das estrelas do 6.º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, que se realiza na cidade histórica de Goiás, distante 128 km de Goiânia. Ela é autora de Chernobyl Heart, destaque do festival goiano e que lhe garantiu o Oscar de melhor documentário em curta-metragem deste ano. Trata-se de um filme que embrulhou muitos estômagos por conta das cenas cruas que apresenta. Maryann foi à região de Chernobyl, atual Bielorrússia, onde, em 1986, o vazamento de um dos reatores da usina atômica despejou toneladas de urânio radioativo no ar, expondo as pessoas à uma radiação 90 vezes maior que a provocada pela bomba de Hiroxima. Era o maior acidente atômico da história. Além das centenas de mortes que provocou de imediato, a tragédia continua deixando seqüelas, com outras centenas de pessoas sofrendo problemas genéticos. "Descobri que a situação ainda continuava grave quando acompanhei uma exposição de fotos de crianças de Chernobyl na ONU", conta Maryann, que decidiu imediatamente realizar um documentário. Lá, contou com a ajuda imprescindível da irlandesa Adi Roche, diretora da Chernobyl Children´s Project, responsável pela reabilitação dos afetados pela radiação. Quando Adi leva Maryann para os diversos institutos que abriga as crianças, surgem as cenas mais impressionantes, especialmente com bebês. Um deles tem o cérebro completamente fora da cabeça, preso à nuca e recoberto por uma fina pele. Outro chora de dor pois o fígado é que está fora do corpo, preso às costas. Pernas, mãos, troncos, rostos, há exemplo de todo tipo de deformação. As cenas chocaram tanto algumas pessoas durante a exibição, que deixaram a sala. Maryann conta que, apesar de chocantes, aquelas não eram as piores imagens. "Deixei de lado coisas mais terríveis, pois acredito que o público não suportaria." O Oscar alçou-a à condição de estrela mundial, triplicando o número de convites de festivais e palestras. "O melhor foi expor a trágica situação em que vivem aquelas pessoas, praticamente abandonadas pelo governo e sofrendo situações desnecessárias." Para provar essa tese, aliás, o filme termina com a chegada à Bielorrússia de um grupo de médicos americanos, voluntários para amenizar o sofrimento. Um menina, que foi desenganada pelos médicos russos por conta de furos no coração, é operada por um dos voluntários, que salva sua vida. Apesar de inestimável, a ajuda é apresentada por Maryann DeLeo com um patriotismo exagerado, o que provocou algumas vaias ao final da sessão. A cineasta não gostou da reação. "Por acaso, era um médico americano. Se fosse de qualquer outra nacionalidade, eu mostraria do mesmo jeito."