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Gabriel Yared dá aula de música para filmes

Por Agencia Estado
Atualização:

Foi no final dos anos 1960 que o jovem Gabriel Yared, em visita ao Brasil, conheceu Elis Regina e Ivan Lins. A partir daí, desenvolveu uma relação afetiva com o Brasil - e com a música brasileira. Yared está agora de volta ao País. Apresentou-se no Teatro Municipal do Rio, no começo da semana, e ministrou um workshop sobre a música de filmes. Em São Paulo, faz sábado o mesmo workshop. As inscrições ainda estão abertas. Yared tem corrido o mundo dando palestras e ministrando workshops. Mas, numa conversa pelo telefone, diz que não se pode ensinar ninguém a produzir música para cinema. Pode-se ensinar música, simplesmente - o que também não é fácil. Libanês de nascimento, Yared ganhou o Oscar pela partitura de O Paciente Inglês. Refere-se ao diretor Anthony Minghella como a um irmão querido. E dá uma pista, no trabalho (ou convivência) com Minghella, que ajuda a entender o que é a música de filmes para ele. Yared começou a trabalhar no projeto um ano e meio antes. Acompanhou toda a etapa do roteiro, da pré-produção, da rodagem. Com ele não tem esse negócio de filmar e depois chamar o compositor para que ponha música sobre as imagens. A criação tem de ser orgânica e, na verdade, Yared acha que a música tem de nascer antes. Minghella rodou o filme já com sua música nos ouvidos. Não é fácil convencer os produtores da validade desse método. "Até hoje tenho problemas com produtores que acham que seria melhor se eu entrasse no projeto na última hora, para criar o clima das cenas com a minha música." Se a proposta é essa, não, obrigado. Lembra grandes parcerias da história do cinema. "Soube, muito tempo depois, que Nino Rota criava as partituras para Fellini muito antes da rodagem e que, desta maneira, o mestre criava o ritmo das cenas a partir da música; Ennio Morricone fazia a mesma coisa para Sergio Leone, desde os tempos do spaghetti western, e por isso existe aquela interação operística entre imagem e música nos filmes deles." A ópera, justamente. Os grandes compositores de Hollywood nos anos 1930 e 40 foram europeus que levaram para o cinema americano seu gosto pela ópera. Max Steiner, Dmitri Tiomkin, Miklos Rosza, alguns mais, outros menos, foram influenciados por Richard Strauss e Richard Wagner e criaram uma tradição muito importante da música para cinema. Yared volta às origens e conta que, muito antes que o acompanhamento musical viesse enriquecer as cenas de filmes que ainda eram mudos, a função primeva era abafar, com a música, o ruído do projetor. Grandes compositores provaram que a música não está nos filmes só para criar o clima ou sublinhar a emoção das cenas. Nino Rota e Fellini, Morricone e Leone, Prokofiev e Eisenstein, Bernard Herrmann e Alfred Hitchcock mostraram que o processo criativo pode ser muito mais rico e complexo. É essa interação que Yared busca no seu trabalho com Minghella e também com os outros diretores com quem trabalhou. Já fez música para filmes de Jean-Luc Godard (Salve-Se Quem Puder/A Vida), Costa-Gavras (Hanna K), Robert Altman (Van Gogh). Uma de suas trilhas preferidas é a de Camille Claudel, de Bruno Nuytten, mas a preferida mesmo é a de O Talentoso Ripley, um filme de Anthony Minghella. Explica o sucesso dos CDs com trilhas, que hoje se constituem numa fatia expressiva do mercado, dizendo que eles satisfazem uma necessidade que o público tem de uma música mais clássica. Mas deplora uma tendência, que chama de ´enganosa´, do mercado: "Hoje em dia, cada vez mais, enxertam os CDs de trilhas com músicas que não estão nos filmes." Yared sabe sobre o que está falando. Vendeu 4 milhões de CDs com a trilha de Cidade dos Anjos, o remake americano de Asas do Desejo, de Wim Wenders. "Havia ali muita música pop, de bandas conhecidas que não estavam no filme." Yared nasceu em Beirute, numa família que não tinha tradição musical. Tornou-se um autodidata. Só aos 30 anos começou a estudar música, desenvolvendo conhecimentos teóricos para ler (e criar) partituras. Acredita que a música é uma manifestação do divino. E não acha que isso seja pieguice mística. Mesmo com o risco de ser considerado presunçoso ou arrogante, lembra que Wolfgang Amadeus Mozart também tinha essa sensação. "Ele próprio não entendia muito bem como lhe vinha a facilidade para criar aqueles sons que encantavam as pessoas." Conhecimento - Até por isso Yared sente que precisa dar essas palestras, ministrar esses workshops. Quer compartilhar o conhecimento. E explica que não é por generosidade, não. Dividir o que se sabe com os outros nos obriga a pesquisar sempre, a renovar-se, a acumular novos conhecimentos, a testar-se a cada momento. No fundo, ao dividir seu conhecimento ele insinua que está multiplicando suas potencialidades. Trabalha atualmente no novo filme de Minghella, Cold Mountain. É uma história da Guerra Civil americana, com Nicole Kidman. "Ela toca ao piano alguns temas que tiveram de ser desenvolvidos antes e que fornecem a base musical para a partitura." Cita outro cineasta com quem gosta de trabalhar, Jean-Jacques Beineix. Em Betty Blue, também havia uma cena de Jean-Hughes Anglade e Béatrice Dalle em torno de um piano. Aqueles breves motivos haviam sido criados com antecedência. Beineix filmou a cena a partir da música e não o contrário. É como Yared, que ministra amanhã seu workshop em São Paulo, gosta de trabalhar. E ele aproveita para anunciar seu projeto mais sonhado - um grande concerto na Amazônia, L´Esprit de La Foret, mesclando música sinfônica com instrumentos nativos. Já tem até parceiros para filmar o empreendimento, mas necessita de patrocínio. "Estou fazendo contatos no Brasil e, se você puder colocar isso na reportagem, lhe agradeço." Gabriel Yared - Sábado, das 9 às 12 horas. Grátis - inscrições pelo e-mail xikino@uol.com.br. Aliança Francesa. Avenida Santo Amaro, 4.921, Brooklin, tel. (11) 5561-4615.

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