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"Fugindo do Inferno", o clássico de ação, agora em DVD

Filme sobre a fuga em grupo de um campo de concentração nazista foi um dos grandes momentos do diretor John Sturges e do ator Steve McQueen

Por Agencia Estado
Atualização:

Bertrand Tavernier chega a ser cruel com John Sturges em 50 Anos de Cinema Americano Na primeira versão do livro que co-escreveu com Jean-Pierre Corsodon, o crítico francês, diretor de filmes como Um Sonho de Domingo, Por Volta da Meia-Noite e A Isca - que venceu o Urso de Ouro em Berlim, em 1995 -, já levantava a possibilidade de que Sturges talvez não fosse tão bom quanto defendiam alguns admiradores extremados. Sturges seria "surestimé", como dizem Tavernier e Corsodon. Essa primeira versão se chamava 30 Anos de Cinema Americano. Quando foi atualizada, a dupla caiu matando sobre Sturges e disse que a queda de seus últimos filmes, considerados decepcionantes pela maioria da crítica, simplesmente era irreal porque não podia cair quem nunca estivera no alto. Tavernier coloca só um filme de Sturges na coroa da lua: Conspiração do Silêncio e, assim mesmo, porque teria sido escrito, sob pseudônimo, por Dalton Trumbo. Não tem muito apreço por Fugindo do Inferno, por exemplo. É justamente o filme que está saindo, pela Fox Home Entertainment, num DVD cheio de extras. Tavernier pode até ter razão, mas Fugindo do Inferno não nega fogo como espetáculo de ação. Era, aliás, a especialidade de Sturges. Quando ele morreu, em 1992, os críticos que ainda o idolatravam deram ali seu adeus a um cinema americano que ia ficando cada vez mais standartizado. Quase dez anos antes, em 1983, já morrera Robert Aldrich, em 1991 morrera Don Siegel e, na verdade, nenhum deles, ao sair de cena, estava numa grande fase. A partir do sucesso de Guerra nas Estrelas, em 1977, a estética dos efeitos especiais se tornaria dominante em Hollywood e não apenas para fantasias científicas. Os efeitos começavam a dominar o mais simples thriller. Fugindo do Inferno talvez tenha sido o primeiro de uma série de filmes que repuseram o foco, nos anos 1960, sobre a 2ª Grande Guerra. O cinema todo estava mudando. As novas cinematografias pipocavam ao redor do mundo, na trilha aberta pela nouvelle vague. A própria produção hollywoodiana tentava arrombar as normas do Código Hays, que disciplinava o uso do sexo e da violência no cinema americano. O código iria cair. Depois de Fugindo do Inferno surgiu Os Doze Condenados e a versão blasfema da Paixão, segundo Aldrich, sua história dos 12 apóstolos da violência, foi fundamental para que Sam Peckinpah, a seguir, lançasse a pá de cal sobre o código, com os embates físicos e as explosões de Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch). E não se pode esquecer, ainda no cinema de guerra, de O Desafio das Águias, uma aventura eletrizante (ou que assim parecia, na época) dirigida por Brian G. Hutton. Tudo talvez tenha começado com Fugindo do Inferno. Sturges, pouco antes, reuniu muitos atores desse filme (Steve McQueen, Charles Bronson, James Coburn) em outra epopéia de grupo, Sete Homens e Um Destino", na qual transpôs, para o Velho Oeste, a saga de Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa. Os sete pistoleiros de Sturges forneceram a pedra de toque sobre a qual Sergio Leone construiu o edifício do spaghetti western, mas essa já é outra história. Westerns, filmes de guerra, policiais. Sturges sempre amou a ação e o movimento. Amava também os durões, uma linhagem de atores que, de Burt Lancaster e Kirk Douglas a John Wayne, passando por Steve McQueen, Charles Bronson e James Garner, criou personagens com os quais o público podia identificar-se (e esbaldar o id) no escurinho do cinema. Se alguém lhe perguntar e você quiser definir o que é Fugindo do Inferno, bastará dizer que é aquele filme no qual Steve McQueen foge de um campo de concentração dos nazistas no lombo de uma veloz motocicleta. E é uma epopéia de grupo, desenvolvida a partir de uma história real - a tentativa de fuga de prisioneiros aliados de um campo-modelo criado pelos alemães, durante a 2.ª Guerra. Nada de Holocausto, de fornos crematórios. O campo, aqui, é quase anti-séptico. E fornece um território sob medida para os embates entre homens, que era o tema preferido de Sturges. Os prisioneiros de Fugindo do Inferno precisam unir-se para levar a cabo o plano de fuga. A união faz a força deles, mas não seria um filme americano se não houvesse individualistas entre eles. O mais audacioso desses individualistas é interpretado por Steve McQueen. O mais nobre, também, porque ele arrisca a própria liberdade, seu maior bem, para tentar ajudar os amigos. O curioso é que o filme é quase "hustoniano", celebrando um tema que fascinava o grande John Huston. Qualquer esforço é válido, independentemente do resultado a que se chegue. A história de Fugindo do Inferno é quase a confissão de um fracasso, já que raros prisioneiros vão alcançar o objetivo sonhado da liberdade. Mas você quase não se dá conta disso, porque a razão de ser do filme - um espetáculo baseado nos tempos fortes da ação -, essa sim é concretizada pelo diretor. Não faltam defeitos em Fugindo do Inferno. Você pode deplorar a ingenuidade de certos diálogos ou o patetismo de cenas que soam fabricadas para forçar a emoção. Mas a ação é ótima e os atores, bem, só para ver o elenco reunido por Sturges já vale alugar o DVD. Você vai até querer comprá-lo, depois. Charles Bronson: o cara de pedra foi um dos melhores coadjuvantes de Hollywood, antes de virar o justiceiro da série Desejo de Matar, que lhe deu muito dinheiro, mas acabou com sua reputação junto aos críticos. Richard Attenborough viraria depois o diretor de Gandhi e James Garner seria o protagonista de A Hora da Pistola, com o qual o próprio Sturges desmistificou a saga do OK Corral, que ajudara a erigir em Sem Lei e Sem Alma, contando a história oficial do célebre tiroteio que opôs o xerife Wyatt Earp e seu amigo Doc Holiday ao bando dos Clantons. Mas a grande figura de Fugindo do Inferno é Steve McQueen. Os anos 1960 iriam assistir à consolidação do seu carisma e ele virou um grande astro - um dos maiores da história de Hollywood. Cavalgando uma motocicleta como se fosse um cavalo nesse filme, ele fez a popnte entre o western e o filme de guerra e abriu o caminho para Clint Eastwood no desfecho de Meu Nome É Coogan, de Don Siegel, outro grande espetáculo de ação da época. McQueen morreu em 1980, de câncer, quando tinha só 50 anos. Quando ele sorri, em Fugindo do Inferno, você se dá conta de que Hollywood teve de esperar quase 40 anos para reencontrar, em George Clooney, aquele sorriso viril que derrete as mulheres e ganha a cumplicidade dos homens. Serviço - Fugindo do Inferno (The Great Escape). EUA, 1963. Direção de John Sturges, com James Garner e Steve McQueen. DVD da Fox Home Entertainment. Nas lojas, por R$ 51,90

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