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Frears segue olhar de criança em "Liam"

O diretor desenha um painel social da Inglaterra, a partir da vida do garotinho que que tem dificuldades de fala e cresce num bairro católico em Liverpool

Por Agencia Estado
Atualização:

Em Liam, que foi apresentado no Festival de Veneza do ano passado, Stephen Frears mostra sua competência ao desenhar um painel social a partir de uma vida individual. A vida é a do garotinho Liam (Anthony Borrows) que tem dificuldades de fala e cresce num bairro católico em Liverpool. A época é a pré-depressão econômica inglesa nos anos 30. Quer dizer, no entreguerras, aquela fase de inquietude política, dificuldades econômicas e, digamos, tremores existenciais, que precedeu, na Europa, a ascensão do nazismo. Num primeiro momento, Liam não parece um filme abertamente político. Frears segue a vida do garotinho e atrai para ele a simpatia do espectador - e como não se enternecer com Borrows, um desses atores-crianças realmente carismáticos? Mas, a seguir, o que se impõe é o ambiente econômico e político de uma época em transe. O pai de Liam (Ian Hart, ótimo) trabalha na indústria naval e sustenta uma família de mulher e sete filhos, dos quais o personagem-título é o caçula. Mas, com a crise, Hart perde o emprego e os problemas começam para a família. A partir desse ponto, o foco do filme desloca-se de Liam para o pai. Este, pressionado pelo desemprego e suas conseqüências - o desprestígio social, a falta de dinheiro e perspectivas - começa a buscar soluções escapistas. A mais óbvia e cruel delas está logo ali à sua frente e ele começa a flertar com movimentos de cunho fascista. Busca, na perseguição de bodes expiatórios, judeus em especial, dar vazão a problemas que têm origem em outra parte. O que o filme tem de mais duro é a constatação de que, numa época de depressão, diminui ou desaparece completamente um traço de coesão como a solidariedade social. Ian Hart sente-se só no mundo e reage a isso de maneira violenta. O filtro a partir do qual o vemos é o olhar do filho, Liam. Este tem de viver a sua crise de criança a partir da crise de um adulto e ainda enfrentar um problema adicional - o da religião católica que aprende na escola. Os preceitos católicos - de solidariedade, amor ao próximo e desprendimento material - não são exatamente o que se encontra com facilidade numa vida social áspera, materialista e cada vez mais entregue à lei da selva. Trata-se de uma contradição e tanto para ser resolvida pela cabeça de uma criança e esse descompasso é que dá ao filme o seu interesse e encanto. Virtudes insuficientes, no entanto, para quebrar a impressão de um tratamento monocórdio em termos de linguagem, e repetitivo como conteúdo, pois trata-se de um tema já tantas vezes discutido no cinema. Se sobra graça a Liam, em especial por causa do ator mirim, essa simpatia não é acompanhada pela densidade que o assunto exigiria. Enfim, um drama bonito, humano, terno e politicamente correto, mas que não deve permanecer tanto tempo assim na memória do espectador. E Frears, convenhamos, já fez coisa melhor na vida, como Herói por Acidente, Os Imorais e mesmo Ligações Perigosas, um Choderlos de Laclos diluído, mas tão agradável como uma sangria bem temperada. Serviço - Liam (Liam). Drama. Direção de Stephen Frears. Grã-Bretanha/2000. Duração: 90 minutos. 12 anos

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