Francesco Rosi, retrospectiva em SP

A retrospectiva Bravo, Rosi! traz filmes inéditos do cineasta como Mãos sobre a Cidade, Homens em Combate e Cristo Parou em Éboli a São Paulo

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Por Agencia Estado
Atualização:

Alguma coisa mudou na história do cinema quando surgiu O Bandido Giuliano. Assim o crítico francês Roger Boussinot inicia o verbete sobre Francesco Rosi na sua monumental Enciclopédia do Cinema Mundial. O próprio Rosi lembrou a frase de Boussinot na entrevista que deu à Agência Estado há um mês, quando foi anunciado que ele seria o homenageado de honra do Festival do Rio BR 2001. O cineasta deveria ter vindo ao Brasil, mas cancelou a viagem por causa da explosiva situação criada com o ataque terrorista em Nova York. O autor não veio, mas sua obra sim. A retrospectiva intitulado Bravo, Rosi! foi uma das seções mais importantes do evento no Rio. Trouxe filmes inéditos no País: Mãos sobre a Cidade, Homens em Combate e Cristo Parou em Éboli. A retrospectiva de Rosi desembarca amanhã, em São Paulo, para que o público paulistano possa conferir o talento do mais politizado dos diretores de sua geração. Rosi conversou de novo com a reportagem da Agência Estado pelo telefone. Está feliz porque um filme como Cristo Parou em Éboli, de 1978, finalmente será exibido no Brasil. "É um filme sobre as desigualdades sociais entre o norte e o sul da Itália, mas acho que poderia substituir o meu país pelo seu; sei que o Brasil apresenta a mesma disparidade; é um drama dos nossos países", diz. Destaca que não foi só no Brasil que Homens em Combate foi boicotado pelos distribuidores. "Na Itália também foi um filme que tentaram, de todas as formas, ocultar." É um filme sobre a luta de classes no contexto da 1ª Grande Guerra. Passa-se nas trincheiras e mostra soldados que vão para o sacrifício. Um oficial toma o partido deles, entra em choque com a alta hierarquia do Exército e termina sendo levado à corte marcial. A história lembra o clássico Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick, que os críticos quase sempre consideram um dos grandes filmes de guerra da história do cinema. Rosi reconhece a proximidade temática dos dois, mas diz que são estilisticamente diversos. Admira a obra-prima de Kubrick, mas, sem presunção, acha que o filme dele é melhor. "É mais rigoroso", define. O rigor caracteriza O Bandido Giuliano, a obra emblemática de Rosi no começo dos anos 60. O que mudou no cinema mundial a partir daquele filme extraordinário? O diretor explica: "Consegui demonstrar que o estudo rigoroso, metódico da aventura de um jovem bandido em suas relações com a Máfia e o poder podia conter, em si mesmo, toda uma dramaturgia." Essa dramaturgia Rosi diz que é o método do documentário reconstituído, que consegue ir além da imaginação romanceada, no processo de reconhecimento da verdade num filme, sem deixar por isso de rivalizar com as tragédias convencionais no que se refere à intensidade emotiva. Poucos diretores são tão críticos e reflexivos em relação à própria obra. O cinema documentado, não documentário, de Rosi tem outros ápices no ciclo que começa hoje: Mãos sobre a Cidade e O Caso Mattei. Pelo primeiro ele recebeu a láurea ad honorem em Arquitetura do Instituto Politécnico de Turim. Conta que a solenidade, em si, em 26 de setembro, foi simples mas emocionante. "Passaram-se quase 40 anos e é um filme que permanece atualíssimo: a corrupção que domina o mercado imobiliário, inibindo projetos sociais em detrimento dos interesses de grandes construtores, continua existindo na Itália e em todo o mundo. Não creio que no Brasil seja diferente." Ao longo de sua carreira, Rosi foi eventualmente discutido por filmes como Felizes para Sempre, sua fábula da revolução, ornamentada pela beleza de Sophia Loren, ou A Trégua, um filme um tanto equivocado no seu globalismo e que termina edulcorando o romance de Primo Levi. Rosi não concorda com essa observação. Tem um carinho especial por A Trégua. Diz que nenhum filme pode mudar o mundo, mas pode contribuir para melhorá-lo, se estimular o espectador a pensar, tomando consciência dos problemas que nos afligem. Sabe que os problemas continuam. "Infelizmente, teria assunto para mais filmes do que já fiz, mas não sou um garoto", comenta. Arrisca-se, como homem que permanece na esquerda, a ser criticado por sua defesa do direito dos EUA de atacarem o Afeganistão. "O terrorismo é o câncer da nossa época", diz. E lembra que fez um filme sobre o assunto. Uma das de suas obras-primas, Os Três Irmãos, que está na retrospectiva.

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