PUBLICIDADE

França faz tributo a Gláuber Rocha

O Festival dos Três Continentes de Nantes promove este ano uma grande retrospectiva dedicada a Gláuber Rocha

Por Agencia Estado
Atualização:

Centro mundial da cinefilia, a França não abriga só o Festival de Cannes, o mais importante entre quantos se realizam anualmente, em todo o mundo. Há vários festivais temáticos que ocorrem no país - o de curtas de Grenoble, o de animação de Annecy e mais os festivais do cinema norte-americano de Deauville - a porta de entrada das grandes produções de Hollywood na Europa -, o do cinema latino-americano de Biarritz e o dos três continentes de Nantes. Este último, que está chegando à sua 22.ª edição e será realizado entre 21 e 28 de novembro, interessa particularmente ao Brasil. O Festival dos Três Continentes de Nantes promove este ano uma grande retrospectiva dedicada a Gláuber Rocha. Numa conversa de Nantes, pelo telefone, com a reportagem da Agência Estado, o diretor do evento, Philippe Jalladeau, diz que seu sonho seria mostrar a integral da obra de Gláuber, mas sente que isso será difícil, senão impossível. "Temos cópias de quase todos os seus filmes, que foram depositadas pela Cinemateca Brasileira na Cinemateca Francesa; são cópias muito bem conservadas, com legendas em francês; mas a integral de Gláuber está ameaçada por dois fatores - ainda aguardo a autorização escrita da família para a exibição dos filmes e, mais grave, nossa luta é para conseguir a liberação do curta Di de Gláuber, que ainda está interditado pela família Cavalcanti para exibições públicas." Original - Jalladeau, de 62 anos, conta o porquê da homenagem a Gláuber. "Ele foi um diretor estimulante e não apenas pelos filmes que realizou; nem todos são completamente logrados, mas há os que apontam para o que de melhor se produziu no cinema brasileiro e no latino-americano, em todos os tempos" diz. Acrescenta que Gláuber também é importante por suas idéias por tudo aquilo que expressava em entrevistas, cartas, textos para jornais e revistas, e também nos programas que apresentava na TV. Jalladeau espera poder fazer uma súmula desses programas, exibindo o que ainda resta deles em Nantes. Jalladeau considera, mais do que oportuno, necessário que entrem em discussão neste momento específico do cinema, em que Hollywood domina os mercados de todo o mundo com um tipo de produção massificada e mediocrizada. "Gláuber acertava, claro, mas errava também; nem por isso deixou, em momento nenhum, de provocar, de abrir caminhos e estimular o debate", diz. "É tempo de discutir seu cinema original e arriscado." Ele informa que a homenagem de Nantes poderá ser a alavanca para uma revalorização de Gláuber. "A Lumire negocia para adquirir os direitos de redistribuição de seus filmes, que serão reestreados na França e, possivelmente, na Europa; a revista Cahiers du Cinéma também está atribuindo tanta importância ao evento que pretende usar o quadro do festival para publicar uma edição especial sobre Gláuber, discutindo seu legado e a permanência de suas idéias neste mundo globalizado." Nantes faz parte do imaginário do espectador de cinema, principalmente se ele também for um cinéfilo. Jacques Demy rodou na cidade em que nasceu um filme cultuado - Lola, com Anouk Aimée (e que recebeu no Brasil o subtítulo ultrajante de A Flor Proibida). Agns Varda, a viúva de Demy, fez Jacquot de Nantes em homenagem ao marido. "Nossa cidade não é Paris, mas também é cosmopolita e aberta para o mundo", diz Jalladeau. Há 22 anos, o irmão e ele promovem o Festival dos Três Continentes. Como o nome indica, é aberto à participação de filmes da América Latina, da África e da Ásia na mostra competitiva. Ele afirma que Cannes, que este ano privilegiou a seleção asiática, apenas seguiu uma tendência que começou na França, em Nantes. Desde Eles não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman, no começo dos anos 80, o Brasil não sobe ao pódio do Festival dos Três Continentes. Aquele foi o último filme brasileiro a ganhar o Grand Prix. Candidatos - "Quem sabe o cinema brasileiro não volte à competição, da qual tem estado ausente nos últimos anos?", pergunta-se Jalladeau. Aproveita para pedir informações sobre Tururu, de Florinda Bolkan, sobre Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi. Pede sugestões de filmes para concorrer. Os interessados podem telefonar para (33) 024069-7414 ou enviar suas mensagens pelo e-mail f3c@franceplus.com. Os filmes devem ser inéditos na França. Jalladeau quer levar a Nantes o Eu, Tu, Eles, de Andrucha Waddington, que agradou em Cannes. "Não é um filme revolucionário ou inovador, mas gostei muito", confessa. Quer passar Eu, Tu, Eles nem que seja fora de concurso. Ele tinha 31 anos quando conheceu Gláuber. "Foi no Festival de Veneza de 1969", conta. Gláuber não tinha nenhum filme em concurso, mas foi ao Lido prestigiar o amigo Cacá Diegues, que mostrava oficialmente Os Herdeiros. "Não posso dizer que tenha sido amigo de Gláuber, mas era uma personalidade formidável, sempre imerso no seu mundo interior e falando compulsivamente." Gláuber não dialogava - monologava, como Jalladeau teve oportunidade de conferir mais duas vezes. Encontraram-se de novo em Roma, quando ele morava na capital italiana, no célebre apartamento em Campo dei Fiori. Jalladeau foi levado por um amigo comum, Gianni Amico. "Gláuber foi efusivo, mas de repente sumiu, de forma totalmente inesperada." O terceiro encontro foi em Sintra, Portugal, em fevereiro de 1981. Gláuber morreria em agosto daquele ano. Jalladeau achou-o abatido. "Estava malbarbeado, passava um aspecto de doente." Talvez já sofresse com a doença que o matou de infecção generalizada, meses mais tarde. "Mais do que sobre cinema, falamos sobre a CIA, um assunto pelo qual ele era obcecado; estava sempre vendo conspirações." Sobre o diretor - O almoço em Sintra reuniu parte da equipe de Wim Wenders, que rodava O Estado das Coisas em Portugal. Foi promovido pelo ator francês Patrick Bauchau e Jalladeau aproveita para dizer que Bauchau vai mostrar em Nantes o filme que fez sobre Gláuber. Uma das novidades do evento é justamente essa - vai apresentar não só os filmes de Gláuber, mas também os que interpretou e os que foram feitos sobre ele. E haverá um colóquio, reunindo especialistas brasileiros e franceses. "Ainda não fiz o convite, mas gostaria muito de trazer Nelson Pereira dos Santos, que é meu amigo", diz Jalladeau. Nantes e o Festival dos Três Continentes têm sido amigos do cinema brasileiro. Nestes 22 anos, o festival exibiu 87 filmes brasileiros em competição ou fora dela e ainda nas homenagens e retrospectivas que, volta e meia, Nantes dedica ao Brasil. Houve uma retrospectiva dedicada a Nelson Pereira dos Santos em 1981, no 3.º festival, outra mais abrangente, do cinema brasileiro como um todo, no ano seguinte, uma retrospectiva dedicada ao tema da música no cinema brasileiro em 1984 e outra dedicada às chanchadas da Atlântida, em 1994. Apesar disso, o festival não é muito conhecido no Brasil. "Nossa maior repercussão no Brasil foi quando Grande Otelo morreu em Paris, a caminho do nosso festival, onde seria homenageado", lamenta Philippe Jalladeau.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.