PUBLICIDADE

Fran Lebowitz e Martin Scorsese mostram uma Nova York que já não existe mais em série da Netflix

'Faz De Conta Que NY É Uma Cidade', estrelada por Fran e dirigida por Scorsese, oferece comentários ácidos sobre a cidade e faz ter saudades da metrópole antes da pandemia

Por Dave Itzkoff
Atualização:

NOVA YORK - Se a última virada de ano tivesse sido normal, Fran Lebowitz e Martin Scorsese a teriam passado como costumam fazer: um com o outro e alguns amigos próximos, na sala de projeção do escritório de Scorsese, assistindo a um filme clássico como Um Corpo que Cai ou Neste Mundo e no Outro.

PUBLICIDADE

No ano em que se reuniram para ver Barry Lyndon, eles assistiram a uma rara versão de alta qualidade feita do negativo original da câmera do diretor Stanley Kubrick.

“E eu disse:‘ O que é um negativo de câmera?’”, lembrou Fran em uma videochamada em grupo com Scorsese na terça-feira. “E então todos os lunáticos do cinema olharam para mim, como se eu admitisse ser analfabeta.”

Em anos anteriores, quando eles se sentiam com bastante disposição, Scorsese disse em um tom que transparecia certa melancolia: “Costumávamos ver um filme antes da meia-noite e depois, outro”.

Mas, desta vez, a tradição anual teve de ser suspensa. Em vez disso, Fran explicou: “Falei com Marty ao telefone. Nós lamentamos sobre como nos sentimos mal, como era terrível não estar fazendo isso. ”

Martin Scorsese e Fran Lebowitz, na série documental 'Faz De Conta Que NY É Uma Cidade'. Foto: Netflix

Fran, escritora, humorista e contadora de histórias, e Scorsese, cineasta vencedor do Oscar, falaram de suas casas em Nova York sobre sua mais recente colaboração, a minissérie Faz De Conta Que NY É Uma Cidade. Eles são amigos de longa data que, enquanto continuam esperando o fim da pandemia do novo coronavírus, ultimamente não têm conseguido ver muito um ao outro ou a cidade com a qual estão irremediavelmente associados.

Um ar semelhante e agridoce paira sobre a minissérie de sete episódios, que a Netflix lança nesta sexta-feira, 8. Uma continuação do filme de não-ficção de Scorsese de 2010, Public Speaking, Faz De Conta Que NY É Uma Cidade (que Scorsese também dirigiu), mostra a mordaz Fran em entrevistas, aparições públicas e passeios por Nova York enquanto ela compartilha histórias sobre sua vida e percepções a respeito da constante evolução da cidade nas últimas décadas.

Publicidade

Obviamente, a série da Netflix foi gravada antes da pandemia, e Fran e Scorsese estão extremamente cientes de que ela retrata uma Nova York agitada e cheia de vida que agora parece fora de alcance - e que ambos esperam que retorne em breve.

Nesse meio tempo, Faz De Conta Que NY É Uma Cidade oferece uma imagem tentadora de Nova York em plena efervescência, juntamente com comentários animados e sem papas na língua de Fran em relação ao que significa viver lá.

Como ela explicou: "Não me importo se as pessoas concordam comigo ou não. Meu sentimento se alguém não concorda comigo é, OK, você está errado. Isso é uma coisa com a qual eu nunca me preocupei."

Scorsese respondeu gentilmente: "Tive essa impressão."

PUBLICIDADE

Fran e Scorsese falaram mais sobre como foi criar Faz De Conta Que NY É Uma Cidade e o impacto que a pandemia teve sobre eles. Estes são trechos editados dessa conversa.

Fiquei surpreso ao descobrir em 'Faz De Conta que NY é Uma Cidade' que nenhum de vocês se lembra de quando se conheceram.

FRAN: Isso porque somos velhos e temos muitas amizades. Não quero dizer velho no sentido de que não nos lembramos das coisas, porque acredito que nós dois temos memórias perfeitas. Mas porque já vivemos tantos anos e conhecemos tantas pessoas. Acho que nos conhecemos em uma festa, porque onde mais eu o teria conhecido? Obviamente, vou a muito mais festas do que Marty. É por isso que Marty fez tantos filmes e eu escrevi tão poucos livros.

Publicidade

SCORSESE: Eu realmente me lembro de termos conversado muito na festa de 50 anos de John Waters. Foi depois do lançamento de Cassino.

FRAN: Claro, você não se opôs a ouvir o quanto eu o adorei.

SCORSESE: Não, nem um pouco.

FRAN: Embora eu não seja tão italiana quanto você possa imaginar, os pais de Marty e muitos parentes do meu pai - todos judeus da classe trabalhadora - têm muitas semelhanças que são muito conhecidas. A grande diferença é que a comida é melhor na casa de italianos.

SCORSESE: Gostávamos mais da comida judaica.

FRAN: Não, não, não, não há comparação.

Depois de trabalharem juntos em 'Public Speaking', o que os fez querer repetir a parceria em outro projeto de documentário?

Publicidade

SCORSESE: Gostei de fazer Public Speaking. Achei libertador, em termos de narrativa. Mas, principalmente, é sobre estar perto de Fran. Eu realmente gostaria de saber o que ela pensa, praticamente todos os dias, enquanto as coisas estão acontecendo. Eu queria um comentário contínuo - não o tempo todo, mas um que eu pudesse ver e deixar de ver durante o dia.

Como a pandemia afetou a produção desta série?

FRAN: Filmamos bem antes de haver um vírus. Quando o vírus surgiu, Marty disse: “O que devemos fazer? O que podemos fazer?" No auge da paralisação, saí caminhando pela cidade e Marty enviou Ellen Kuras [diretora de fotografia de Faz De Conta Que NY É Uma Cidade, e o que ela filmou foi incrivelmente bonito. Mas eu disse a Marty: “Acho que devemos ignorar isso”.

SCORSESE: Nós tentamos. Editamos sequências. Estava tudo bem e, uma semana depois, a cidade mudou novamente. Todas essas lojas foram fechadas e estavam cobertas por tapumes. Uma semana depois, algo mudou. Então eu disse: “Vamos parar com isso”.

FRAN: Não somos jornalistas. Não precisamos estar por dentro das notícias.

A série parece diferente para vocês por causa da pandemia?

FRAN: Há uma diferença com certeza. Pensei no título, Faz De Conta Que NY É Uma Cidade, quando Nova York estava lotada de idiotas que ficavam no meio da calçada. E eu gritava com eles: “Saiam da frente! Façam de conta que isso é uma cidade!” As pessoas que viram a minissérie desde então - segundo um agente meu, dizem: "Oh, é uma carta de amor para Nova York." Antes do vírus, era eu reclamando de Nova York. Agora as pessoas pensam que tem um significado mais lírico e metafórico.

Publicidade

Você se preocupa que Nova York não volte totalmente ao que era antes da pandemia?

FRAN: Moro em Nova York há tempo suficiente para saber que não vai ficar como está agora. Não há um metro quadrado de Nova York, um metro quadrado, que seja o mesmo de quando vim para cá em 1970. É isso que uma cidade é, mesmo sem uma praga. Mas gostaria de salientar que havia muitas coisas erradas com ela antes. 

Depois dos grandes protestos no SoHo, vi um repórter entrevistando uma mulher que era gerente de uma das lojas chiques de lá. O repórter disse a ela: "O que você vai fazer?" E ela disse: “Não há nada que possamos fazer até que os turistas voltem”. Gritei para a TV e disse: “Sério? Você não consegue pensar no que fazer com o SoHo sem turistas? Eu consigo! Deixe-me dar algumas ideias.” Porque me lembro dali sem turistas. Que tal, artistas poderiam morar lá? Que tal, não vamos cobrar um aluguel de US$ 190 mil por mês? Que tal isso? Vamos tentar isso.

A pandemia já fez vocês se sentirem mais vulneráveis ou conscientes da própria fragilidade?

FRAN: Ela me deixa com mais raiva. Felizmente, tenho conseguido destilar todas as emoções humanas em raiva. Não importa qual seja a emoção inicial: pode ser desespero, tristeza, medo - basicamente eu experimento isso como raiva. A pandemia me deixa com raiva porque isso não precisava acontecer de forma alguma.

SCORSESE: Na verdade, não sei a que lugar pertenço na ilha. Eu cresci no centro da cidade quando era muito difícil viver naquela área. Agora é muito chique. Não é mais um lar para mim, certamente. Eu envelheci e saí de casa, de certa forma. Tenho ficado em casa e trabalhando pelo FaceTime. Tenho tentado fazer este filme [Killers of the Flower Moon] desde março. A cada dois dias, eles dizem que vamos recomeçar os trabalhos. E então eles dizem, não, não vamos. É um estado de ansiedade e tensão. Mas, de qualquer modo, eu realmente não tenho saído muito. Eu também não posso arriscar.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.