Filmes terão segunda chance nas telas

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Por Agencia Estado
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Um só pecado é o nome da mostra, e um desses pecados veio a ser uma das obras-primas do cinema nacional. Aliás, Limite, único longa-metragem de Mário Peixoto, em 1995 foi eleito por um júri de críticos o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Veredicto sujeito a discussão, como todos, mas o fato é que esse pecado solitário de Mário tornou-se um verdadeiro mito do cinema nacional. Terminado em 1930, Limite nunca teve lançamento comercial e contentou-se com uma tumultuada exibição pública no Cine Capitólio, no Rio de Janeiro. Depois sumiu de circulação e virou lenda. Muita gente jurava que nem existia. Quando Glauber Rocha escreveu o livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, pichou Limite - sem nunca tê-lo visto. Nem todos os pecados da mostra tiveram carreira tão acidentada e, no final, tão triunfante quanto a de Limite. Mas, no mínimo, despertam curiosidade de quem gosta do cinema brasileiro. É o caso, por exemplo, de Gimba, Presidente dos Valentes (1963), do dramaturgo Flávio Rangel. O filme, baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri, fala da história do malandro (Milton Morais) que foge da cadeia para visitar sua amada no morro. Há algumas presenças insólitas no elenco. O crítico Paulo Emílio Salles Gomes, com a voz dublada, faz um delegado de polícia, implacável no cerco ao bandido. E o sambista Ciro Monteiro interpreta um dos moradores do morro da Mangueira, onde a trama ocorre. Nem tudo é amadorístico, pois Flávio Rangel convidou o craque Mário Carneiro para fazer a câmera, o que dá uma surpreendente vitalidade ao filme, pelo menos em seu começo. Outros dramaturgos comparecem na mostra com suas obras cinematográficas. Antunes Filho com seu Compasso de Espera (1969) e José Celso Martinez Correa com O Rei da Vela (1971). Antunes coloca na tela uma discussão sobre o racismo e Zé Celso filma a peça de Oswald de Andrade. Ambos tiveram problemas com a censura e carreira acidentada. Em especial O Rei da Vela, que foi filmado em três etapas e três épocas diferentes. Não, não se trata de obra-prima, mas é uma maneira comovente, aliás a única possível, de tomar contato com uma das obras fundamentais da moderna cultura brasileira. Bem mais recentemente, já na fase de retomada do cinema nacional, a dramaturga Bia Lessa também resolveu fazer seu filme. Crede-Mi (1997), adorado por alguns críticos e detestado por outros, faz uma curiosa releitura de Thomas Mann adaptada ao sertão nordestino. Árduo, mas tem seu encanto. Há também os filmes de escritores, como Roberto Freire e João Silvério Trevisan. O primeiro adaptou o próprio romance, Cléo e Daniel (1970), um dos hits permanentes do mercado editorial brasileiro com sua história de amor adolescente em um Brasil desesperado. O segundo assina Orgia, ou o Homem que Deu Cria (1970), típico exemplar do cinema dito marginal - pelo menos para quem aceita a nomenclatura. Mas há também o caso de profissionais, que, por motivos variados, acabaram ficando no primeiro filme. É o caso de Anjos da Noite (1987), do diretor Wilson Barros, que morreu prematuramente. E de Noites Paraguaias (1982), de Aloysio Raulino. Anjos da Noite é considerado um representante ideal do cinema paulistano dos anos 80, com seus seres noturnos, desgarrados e levemente absurdos, iluminados com certo artificialismo. Deixando para lá os preconceitos constata-se que é ótimo filme, mas esta é uma avaliação de gosto. Já Noites Paraguaias é um trabalho curioso e inspirado, com soluções visuais pouco comuns. Esse filme de fronteira fala da cultura de dois países vizinhos, que se desconhecem cordialmente apesar de terem um passado e uma guerra em comum. Vale ser visto, e isso serve para todos os outros filmes, diferentes porém com algo em comum: não tiveram vez no mercado cinematográfico. Essa mostra é uma segunda chance para a maior parte deles.

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