Filmes latinos ganham destaque em Berlim

O guatemalteco Jayro Bustasmente surpreendeu com 'Ixcanul' e o chileno Patricio Guzmán mostrou 'El Botón de Nácar'

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

BERLIM-E os latinos vieram para arrebentar no fim de semana aqui no Festival de Berlim. No sábado, o guatelmateco Jayro Bustasmente fez história colocando seu país no mapa da cinefilia mundial com Ixcanul (Vulcão). Ontem, domingo, foi a vez do chileno Patricio Guzmán, que dividiu as galas da noite com o norte-americano Terrence Malick. Malick não estava presente, e se estava manteve-se incógnito na plateia, enquanto era apresentado seu novo filme, Knight of Cups. Guzmán veio e foi intensamente aplaudido. Até na sessão de imprensa, na noite anterior, El Botón de Nácar havia sido bastante aplaudido pelos jornalistas e críticos de cinema que, até aqui, têm sido parcimoniosos em suas reações.

É muito bom constatar que o cinema não perdeu sua capacidade de nos surpreender, e maravilhar. Guzmán conta uma história da água. Reflete como a vida na Terra veio dela e como no universo existe um quasar nebuloso que carrega um oceano imenso, 120 milhões de vezes maior que toda a água na Terra. Ele conta histórias da ligação dos indígenas chilenos com a água, lembra que o país é uma estreita faixa de terras limitada de um lado pelo Pacífico. Tudo isso ele vai contando numa linguagem poética que desarma o espectador. E aí chegamos ao horror. No fundo do mar, veio dar nas costas o cadáver de uma mulher com sinais de violência extrema. Foi uma das vítimas da ditadura do famigerado general Augusto Pinochet. O horror, o horror. Entre 1200 e 1400 pessoas foram lançadas ao mar pelos helicópteros do Exército chileno, como parte da operação limpeza para se livrar dos cadáveres de presos políticos. Volta o drama dos desaparecidos, que Guzmán já focara em A Nostalgia da Luz, de 2010. Terá o júri presidido por Darren Aronofsky coragem de outorgar o Urso de Ouro a um documentário como El Botón de Nácar? Ainda é cedo para arriscar prognósticos. Ainda temos uma semana inteira de festival antes que, no sábado, dia 15, sejam anunciadas as decisões do júri. O importante é que o Chile está na lista, e com condições de ganhar.

O cineasta chileno Patricia Guzman foi aplaudido pelos críticos Foto: Stefanie Loos/Reuters

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Haverá outro concorrente chileno, El Club, de Pablo Larraín, o diretor de No. Pode ser que venha mais coisa boa por aí. A América Latina, de qualquer maneira, está bem representada, e não apenas pelos chilenos da competição. O Brasil tem bons filmes em diferentes seções do festival, e a Guatemala surpreendeu com o longa de Bustamente. O diretor de 37 anos estudou roteiro em Roma e direção em Paris. Voltou ao seu país, e à região em que nasceu, para fazer Ixcanul. A Guatemala tem mais da metade de sua população formada por indígenas que descendem dos maias. O filme se passa nesse universo. Conta a história de mãe e filha numa plantação de café. A mãe faz oferendas aos deuses – e ao vulcão que domina a paisagem – para que a filha faça um bom casamento e seja fértil. Prometida ao filho do dono das terras, a garota engravida de um trabalhador sazonal que foge para os EUA.

Posto que não é possível esconder a barriga que se avoluma, o casamento é desfeito, a família é ameaçada de expulsão. A garota tenta uma medida extrema, que é quase um suicídio. Vai parar no hospital. A trama toma outro rumo. O que ocorreu com o bebê? Como a família só fala maia, é fácil de ser enganada, mas exatamente por quem?

BRASIL NO BERLINALE

Ontem à noite houve a apresentação oficial de Que Horas Ela Volta? na seção Panorama. O longa de Ana Muylaert tem o título internacional The Second Mother, A Segunda Mãe. Na coletiva, a diretora lembrou que há uma semana - no sábado anterior -, o filme fora exibido no Sundance Festival, de onde saiu com o prêmio de melhor atriz para Regina Casé. A própria Regina não veio.

Que Horas Ela Volta? é um filme que começou a surgir no imaginário da diretora e roteiristas há quase 20 anos. Nas verdade, começou a assombrá-la muito antes, desde criança, quando ela não sabia que iria se tornar cineasta. Na escola, a professora pedia que fizesse um desenho da família. Ana sempre vacilava - devia colocar a babá? Era tão próxima, tão querida, mas ela, já naquela idade, percebia que não era da 'família'.

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Que Horas Ela Volta/A Segunda Mãe conta a história dessa doméstica que é arrimo de uma família de classe média alta. Todos dependem dela, que foi babá de Fabinho, o filho, e agora ele já é um moço. A mãe vive repetindo que Val (é seu nome) é da família, mas isso só enquanto a doméstica permanece no seu espaço. Val deixou a filha no Nordeste e, agora, a garota vem prestar vestibular de arquitetura em São Paulo. Hospeda-se na casa. Não é como a mãe, não sabe seu lugar. A confusão está formada. Ana fez um retrato forte - terrível? - do Brasil. Regina Casé justifica o prêmio e os elogios que ganhou na 'América'. Será preciso voltar a Ana e seu filme para dar conta da complexidade de Que Horas Ela Volta?

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