Filmes de Shirley Temple guiaram a América em tempos difíceis

Em época de guerra e crise econômica, roteiros carregavam mensagens otimistas

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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A atriz Shirley Temple morreu ontem, tranquilamente, de causas naturais, aos 85 anos. A notícia, lacônica e digna, causa a princípio certa estranheza. Nos acostumamos a pensar em Shirley como uma garotinha cheia de vida e não como uma senhora que se vai em paz depois de uma vida plena. Ilusões do cinema.

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De fato, como esquecer aquele rostinho angelical, cabelos loiros cacheados, escondidos por um boné desproporcional para sua cabeça? Ela arrastou multidões ao cinema com esse filme de 1935, A Mascote do Regimento. Ok, Temple não era do nosso tempo. Mas ela atravessou as eras da história do cinema como verdadeiro sinônimo de atriz mirim.

Nascida em 1928 na Califórnia, Shirley Jane Temple começou a carreira dançando, aos 3 anos. E daí engatou um filme atrás do outro, como Olhos Encantadores (1934), A Pequena Órfã (1935), Heidi (1937), A Princesinha (1939). Tornou-se um fenômeno com sua espontaneidade em historinhas ingênuas e com leve senso de humor.

Não por acaso. Nos anos 30, os EUA viviam uma terrível depressão econômica que começara com o crack da Bolsa de Nova York em 1929. Nesse ambiente soturno, tudo o que as pessoas não queriam era ver a realidade nas telas. Preferiam o escapismo ingênuo dos filmes de Temple. Não há dúvida de que o cinema pode ser muitas coisas, entre as quais ferramenta de análise crítica da sociedade, mas funciona, muitas vezes, como amortecedor de tensões sociais. Ainda mais quando era uma das poucas diversões populares ao alcance dos bolsos esvaziados das pessoas.

Não por acaso, também, o presidente Franklin Delano Roosevelt mostrava-se fã do otimismo transmitido por Shirley. Em tempo de guerra real, ou econômica, o otimismo pode ser excelente recurso de mobilização social. Durante a 2ª Guerra, Hollywood participava do esforço de guerra enviando astros e estrelas para divertir a tropa. A contribuição de Shirley era mais amena, mas não menos eficaz.

O fato é que brilhou intensamente ao longo da década de 1930, mas depois sua carreira começou a declinar. Vamos encontrá-la já mocinha em outros filmes, como Solteirão Cobiçado (1947), com Cary Grant, ou Sangue de Heróis (1948), com John Wayne, mas não era a mesma coisa. Entendidos dizem que seu último grande filme foi A Kiss for Corliss (1949). Mas a sobrevida da carreira até os anos 60 parecia artificial e não repetia o apelo dos filmes dos anos 30. A “Queridinha da América” havia permanecido na infância, embora como adolescente fosse tolerável. Não como mulher madura.

Faltou-lhe, talvez, aquele filme indiscutível, a obra-prima que ocupa capítulos na história do cinema. Na verdade, Shirley era maior que os filmes dos quais participava e, a acreditar nas histórias de Hollywood, faltou-lhe sorte. Escolhida como protagonista de O Mágico de Oz (1939), não pode aceitar pois a Fox não quis cedê-la para a MGM.

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Passada a infância e a primeira juventude, restou a Shirley viver fora das telas. Tentou a política e não foi bem-sucedida. Tornou-se embaixatriz da ONU. Permaneceu casada com o mesmo homem, Charles Black, por 55 anos, até a morte dele. Recebeu o primeiro “Oscar infantil” por seus trabalhos iniciais, está na Calçada da Fama e permaneceu em nosso imaginário cinéfilo como sinônimo da pureza infantil. Teve vida longa, morreu em paz e rodeada pela família. Nada mal.

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