Filmes de protesto, no festival de Goiás

Obras engajadas e até panfletárias realmente marcaram a terceira edição do Fica, tornando-a singular - enquanto nos festivais anteriores a maioria das produções dividia-se entre educativas e de ficção, neste ano a tônica dominante foram obras de protesto

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Por Agencia Estado
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Filmo, logo existo. A paráfrase do pensamento do filósofo grego Sócrates partiu do cineasta João Batista de Andrade, coordenador-geral do 3.º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que terminou no domingo, na cidade de Goiás, distante 130 quilômetros da capital do Estado, Goiânia. A frase serviu para explicar a diversidade da mostra, que reuniu produções de países tão distintos como distantes como Vietnã, Geórgia e Papua. "São filmes que, apesar de produzidos por culturas diferentes, mostraram uma unidade ao se preocuparem com os grandes perigos ambientais que se espalham pelo mundo", comentou Andrade, ao divulgar o vencedor do festival: Coconuts Revolution, do inglês Don Rotheroe, que ganhou um troféu e R$ 50 mil. Obras engajadas e até panfletárias realmente marcaram a terceira edição do Fica, tornando-a singular - enquanto nos festivais anteriores a maioria das produções dividia-se entre educativas e de ficção, neste ano a tônica dominante foram obras de protesto, especialmente contra grandes conglomerados econômicos que se instalam em países subdesenvolvidos sem respeitar as leis de proteção ao meio ambiente. After the Gold Rush, de Anne Delaney, da Papua Nova Guiné, por exemplo, foi um dos primeiros a causar comoção no grande público, que freqüentou diariamente as sessões do festival. O filme trata do desastre provocado por uma mineradora alemã, que se instalou em uma região montanhosa do país, contaminando os rios e condenando a rotina dos habitantes locais. Idêntica temática tratou Oil Turmoil, de Mark Stuck, da Nigéria. O filme mostra como uma empresa petrolífera, que se instalou no país com todas as benesses do governo, espalhou óleo pelos rios e lagos, desprezando as reclamações dos habitantes, vitimados por doenças e fome. Já o vietnamita Por Onde a Guerra Passou, do diretor Vu Le My, premiado como melhor curta foi um dos mais aplaudidos, ao exibir o grave problema das milhares de bombas, lançadas pelos Estados Unidos, que continuam espalhadas pelo Vietnã, provocando a morte de centenas de inocentes a cada ano. Sem apresentarem um formato tão engajado, outros dois filmes também foram lembrados pelos votantes. Coca Mama, do colombiano Jan Thielen, escolhido como melhor média-metragem, exibe um triste retrato dos plantadores de coca, reprimidos em sua única forma de sobrevivência. E Rabelados, de Tosten Truscheit e Ana Rocha Fernandez, prêmio da crítica, sobre um grupo étnico que vive isolado na ilha de Cabo Verde, onde recusam o governo e a religião impostos pela dominação portuguesa. Longas - Na categoria de longa-metragem, o escolhido foi O Sonho de Rose - 10 Anos depois, de Tetê Moraes. A maioria dos filmes apresentados no Fica, no entanto, não se encaixa nas imposições para garantir aquisição, apresentadas por representantes de grandes redes de televisão da Europa e Austrália, reunidos em um fórum durante o festival. Segundo eles para ter mais chances de ser negociado e exibido em uma emissora de tevê aberta daqueles continentes, o filme ou o vídeo precisa ter uma metragem máxima de 52 minutos, ter uma impecável realização cinematográfica e, principalmente, tratar de um assunto novo e de interesse universal. "Não interessa mais contar a vida dos leões, que, muitas vezes, estão até desdentados", comenta Betina Goldman, brasileira instalada em Londres, onde trabalha na Indigo Factual distribuidora internacional especializada em vários gêneros de documentários, especialmente da América Latina, negociados com grandes redes da Inglaterra, França, Alemanha e países do Leste Europeu e da África. "A natureza é um assunto interessante, mas tem de ser focalizada sob um ângulo novo e interessante." Outras regras foram apresentadas como essenciais. Como a predominância da imagem - segundo os especialistas, uma profusão de diálogos praticamente desestimula a negociação do filme. "A exigência de se colocar muitas legendas, em princípio, torna a produção desinteressante para exibição", comenta Ruben Fernandes Lloa, programador do Canal Plus Espanha, que atinge cerca de 1,5 milhão de espectadores. "A imagem é mais atraente, principalmente se for bem construída." Nesse quesito, segundo o espanhol, os trabalhos brasileiros apresentam uma qualidade inquestionável. "Fiquei bem impressionado com a forma dos documentaristas daqui em construir seus planos", afirmou. "É algo extremamente atraente e passa pelo nosso critério de avaliação." Se aprovado, o filme pode render um contrato de até dois anos, com 24 exibições e por um valor que varia entre US$ 4 mil e US$ 9 mil. Já a exibição no Brasil, apesar de também valorizar duração e qualidade técnica, tem uma preocupação mais ampla com a temática. Disposta a incentivar a produção, a TV Cultura criou o Prêmio de Aquisição, em que o filme, além de uma bonificação de R$ 10 mil, terá seis exibições garantidas pela emissora, durante dois anos. Neste ano, o premiado foi Pobres, Sujos, Ricos e Poluidores, de Alberto Flaksman. O repórter viajou convidado pela organização do festival

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