Filmes com Franz Rogowski ganham retrospectiva na plataforma Mubi

Alemão de 36 anos, ator e autor, surge em longas como 'Undine', 'Love Steaks', 'Luzifer' e 'Nos Corredores'; "Eu venho da dança e de uma trajetória coreográfica. Meu corpo é uma expressão do movimento", diz ele ao 'Estadão'

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Por RODRIGO FONSECA
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Recém-saído dos sets do diretor indie americano Ira Sachs, com quem filmou um roteiro do brasileiro Maurício Zacharias sobre a experiência bissexual de um casal gay, batizada Passages, o alemão Franz Rogowski, hoje com 36 anos, está com uma retrospectiva dos filmes que vem protagonizando em cartaz no streaming, na plataforma Mubi, celebrando uma reputação de ator-autor. Visto no fim de 2021, no circuito brasileiro, à frente do longa Undine, de Christian Petzold, de quem está se tornando um intérprete fetiche, Rogowski aparece na plataforma em Love Steaks (2013), de Jakob Lass; em Nos Corredores (In The Aisles, Prêmio do Júri Ecumênico na Berlinale 2018); em Luzifer, de Peter Brunner (uma das revelações de Locarno em 2021); e no drama vencedor do Prêmio do Júri da mostra Un Certain Regard de Cannes do ano passado: Great Freedom, de Sebastian Meise. Esse último foi um dos títulos europeus mais elogiados da última seleção da Croisette e conquistou outros 19 prêmios com sua luta contra a homofobia e sua aposta lúdica no amor romântico.

Franz Rogowski, em cena deGreat Freedom Foto: Mubi

“Os grandes filmes, aqueles que desafiam convenções, beneficiam-se da cultura do ‘cinema de arte’, ou seja, de espaços que fogem dos longas meramente comerciais. Mas hoje, com todas as transformações midiáticas, com a pandemia, os novos espectadores, até de gerações mais jovens que a minha, encontram nas plataformas de streaming uma maneira de descobrir essas narrativas pouco convencionais. Esses canais podem somar na nossa luta de manter a arte cinematográfica viva”, disse Rogowski em entrevista via Zoom ao Estadão. “Eu venho da dança e de uma trajetória coreográfica. Meu corpo é uma expressão do movimento. E é com esse ferramental que eu posso aportar algo meu a cineastas que ambicionam falar pro mundo”.

No cinema desde 2011, Rogowski está comovente em Great Freedom ao recriar um crime estatal de sua Alemanha natal: a criminalização da homoafetividade, encerrada só nos anos 1990. O filme de Meise nos leva ao pós-guerra, quando Hans Hoffmann (papel de Franz) é repetidamente encarcerado por ser homossexual. A única relação estável na sua vida torna-se o seu companheiro de cela, Viktor (Georg Friedrich). O que começa com a repulsa transforma-se em uma paixão, que nasce silenciosa e violenta. “Solidão nem sempre tem a ver com o vazio. Pelo menos não quando você aprende a lidar com o silêncio e arrancar dele um sentido. Essa foi uma das lições dessa história real”, diz Rogowski. “Tínhamos pouco espaço para criar, pois a limitação física é algo essencial a uma dramaturgia carcerária. A questão ali era escavarmos, Georg e eu, diferentes camadas de sentido e mesmo de possibilidade para aquele amor entre Hans e Viktor. Georg se entregou à personagem e me deu a chance de escavar intimidade ali, buscando uma reflexão sobre a identidade que temos hoje. Cresci num país em que, quando eu ainda era criança, ser homossexual era ilegal. Temos aqui, portanto, um desafio de falar de inquietação.”

Visto também em Happy End (2017), de Michael Haneke, e em Eu Estava em Casa, Mas... (2019), que rendeu o Prêmio de Melhor Direção à realizadora Angela Schanelec na Berlinale, Rogowski tem recebido convites de todo o Velho Mundo para atuar. “Eu não sou um grande leitor, um sujeito de literatura. Eu pesquiso os temas dos meus filmes no Google, pouco antes de filmar, cato alguns livros ligados ao assunto e os devoro e me fio nas informações que o roteiro me oferece acerca do personagem. Mas o que faz o processo acontecer é a relação com o próximo, a observação dos colegas de set, de todas as áreas técnicas, e a certezas de que entrar numa filmagem exige responsabilidade com as pessoas à sua volta”, explica o ator, que ganhou elogios pela sua atuação no longa Em Trânsito, também de Petzold.

A dobradinha entre eles é uma das expressões mais potentes do cinema alemão atual. “Ele é um cineasta que roda cada cena num só take, repetindo apenas se algo, tecnicamente, sair errado. Com seu olhar particular, Christian promove uma reflexão sobre o mundo atual. Mas o que vocês veem na tela é um reflexo do set. Enciclopédia ambulante, ele conversa conosco sobre política, economia, arte, vida. E esse clima bom imprime no que vai para o cinema”, diz Rogowski, que, em Luzifer, encarna um jovem com problemas mentais que tem num falcão seu único amigo, à sombra de uma mãe dominadora.

Luzifer incendiou debates em Locarno, sobre a representação de problemas psiquiátricos e sobre a discussão do Mal. “O cinema tem uma dimensão de propaganda, com seu histórico de propagação de ideologias”, diz o ator. “Os filmes que me instigam vão além da publicidade. Eles são livres”. 

Rogowskiem'In the Aisles' Foto: Anke Neugebauer, Music Box Films
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