'FilmeFobia' discute limites entre documentário e ficção

No estilo 'filme-experimento', produção coloca em xeque a própria identidade do cinema e sua linguagem

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Por Redação
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Para quem espera polêmica, "FilmeFobia", de Kiko Goifman, não decepciona. Desde sua primeira sessão no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2008, foi sempre recebido com um misto de aplausos e vaias. A reação repetiu-se quando conquistou cinco prêmios naquele festival - inclusive o de melhor filme, tanto para o júri, como para a crítica. Outros troféus vieram para direção de arte, montagem e ator.

O filme, estreando na quinta-feira em São Paulo, é, no mínimo, inquietante mas prende a atenção. Num projeto estudado e interpretado por Jean-Claude Bernardet, um dos intelectuais mais respeitados na análise do cinema brasileiro, "FilmeFobia" entra no terreno do cinema de experiência, que procura demolir as fronteiras entre ficção e documentário - embora tecnicamente tenha assumido o selo de "ficção" e o próprio diretor o divulgue como seu primeiro longa nesse gênero. O primeiro longa da carreira de Goifman foi o documentário autobiográfico "33" (2003), em que ele, criado por pais adotivos em Minas Gerais, lança-se à procura de seus pais biológicos. "FilmeFobia" realmente não deixa de ser ficcional, já que as pessoas que estão na tela revivem seus piores medos, em rituais que às vezes parecem ultrapassar o limite do masoquismo, mas sem dúvida acontecem por vontade própria. Dessa maneira, todas elas tornam-se atores e atrizes de seu próprio medo, que compreende fobias de cobras, borboletas, botões, palhaços, penetração. O próprio diretor entra no experimento, enfrentando sua alegada fobia de sangue. Jean-Claude Bernardet também não evita expor seu doloroso ritual de cuidados de saúde para seus problemas de visão, decorrentes de sua condição de soropositivo. Num tempo de exposição permanente de imagens, da busca frenética da transmissão instantânea de reportagens via Internet, da permanente exposição da individualidade em blogs e twitters, toda essa discussão proposta por "FilmeFobia" não é pequena. Portanto, não há que se tratar o filme levianamente. Diferentes platéias o vivenciarão cada uma a seu modo. Diferentes profissionais, especialmente os ligados à área psiquiátrica, terão seus argumentos a apresentar. Um pouco dessa discussão já está incorporada ao próprio filme, nas conversas mantidas em cena entre Jean-Claude, Lívio Tragtenberg, Cris Bierrenbach e Hilton Lacerda - que são ao mesmo tempo seus atores e autores, já que Jean-Claude interpreta um diretor de cinema, Tragtenberg assina a trilha musical, Cris, a direção de arte (são dela as originais engenhocas do filme) e Lacerda é co-autor do roteiro, com Goifman. "FilmeFobia" é aquele tipo de filme-experimento que coloca em xeque a própria identidade do cinema e sua linguagem, entre outras questões. Certamente, não é um projeto feito para agradar a um grande público. Seu valor está em propor todas essas discussões, que não são banais. Continua de pé, sem solução à vista, a dúvida de onde se localiza o limite da verdade e da ética, do que se pode ou deve mostrar e ver. A manipulação e disseminação das imagens são questões cada vez mais cruciais na formação dos corações, mentes e almas de nosso tempo. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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