Filme retrata homossexualismo entre samurais

Com Tabu, o diretor do polêmico Império dos Sentidos, Nagisa Oshima, esboça uma nova anatomia do desejo

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Por Agencia Estado
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O título não poderia ser mais apropriado. Tabu, novo filme de Nagisa Oshima, fala de um tema aparentemente impensável em um meio viril: homossexualismo entre samurais. Impensável para mentes conservadoras. Não para Oshima que já falou do desejo levado até a morte, no polêmico Império dos Sentidos, ou da atração sensual de uma dona de casa por um chimpanzé, em Max, Mon Amour, seu filme anterior feito 13 anos atrás. Tabu é um filme de época lindamente estruturado. A ação se passa em Kyoto, em 1865, numa época de mutação da história japonesa. Depois de três séculos de auto-isolamento, o Japão começa a abrir-se um pouco mais para o exterior. O xogunato reforça suas milícias de samurais, tentando defender seu poder. Fidelidade absoluta ao senhor é o que se espera dos candidatos a samurais. Para se alistar nas milícias, os candidatos precisam lutar com o guerreiro mais experiente. Os jovens Tashiro (Tadanobu Asano) e Kano (Ryuhei Matsuda) apresentam-se à milícia comandada por Kondo (Yoichi Sai) e Hijikata (Takeshi Kitano, ator e diretor cult de filmes como Hana-Bi - Fogos de Artifício). Kano, além de bom na espada, é um garoto de beleza andrógina, que passa a despertar os desejos e os ciúmes dos viris samurais a serviço do xogum. Kano funciona como uma espécie de anjo exterminador no interior da milícia. O interessante, no caso, é o trabalho de Oshima com esta estrutura. Kano é desagregador, como costumam ser os objetos de desejo. Não importa que seja um homem entre homens, nem que estes sejam bravos lutadores de uma causa que defenderiam até o limite da força e da vida. Desejo é desejo. Essa matriz temática, em contexto bem diferente, foi usada por Pier Paolo Pasolini em Teorema, um dos clássicos do cinema de contestação dos anos 60. Nele, o "anjo" Terence Stamp leva uma família burguesa à decomposição. Simplesmente por ser desejado por todos. Honra - É como se, mesmo num ambiente socializado até o limite, ritualizado, sobrasse um "resto" de imponderável. Esse fator incontrolável, como se sabe, é a sexualidade. Uma milícia samurai é regida pela hierarquia rígida e por um código de conduta altamente detalhado, no qual a noção de honra tem posição de destaque. Por exemplo, o guerreiro que tomar dinheiro emprestado e não pagar deverá estripar-se. Submeter-se ao suicídio ritual, ou ser executado pelos companheiros de armas. Pois bem, nessa estrutura controlada, que procura deixar poucas frestas para pendências pessoais (a própria noção de individualidade perderia nela o seu sentido), o sexo continua produzindo seus efeitos. E, segundo o caso, seus estragos. A beleza do filme repousa tanto na ambigüidade sexual do personagem central quanto na ambivalência da narrativa. Oshima bóia entre um registro realista de algumas passagens e a narrativa quase fantasista em outras. Não espere lutadores de artes marciais que voam pelos telhados, como em O Tigre e o Dragão. Aqui, os guerreiros dispõem de forças físicas comuns a qualquer mortal e podem torcer o pé quando pulam de um muro mais alto. Em contrapartida, o encontro de dois duelistas - Kano e Tashiro - numa noite fantasmagórica parece saído de um sonho de William Blake. É um espaço que Oshima concede à fantasia. Talvez não à fantasia argentária, que transforma uma saga milenar em produto de comércio. Mas àquela porção de fantasia que existe na cabeça do ser humano e faz com que sua percepção do outro e do mundo seja qualquer coisa menos objetiva. Com esse belo filme de retorno, Oshima ensaia (ainda uma vez) uma anatomia do desejo humano - e não simplesmente do desejo homossexual. Tabu (Gohatto). Drama. Direção de Nagisa Oshima. Jap/2000. Duração: 113 minutos. 14 anos.

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