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Filme português 'Tabu' é mais bela surpresa do Festival de Berlim

Longa de Miguel Gomes opta pela narrativa em off e P&B e conta com brasileiro no elenco

Por Luiz Carlos Merten - O Estado de S. Paulo
Atualização:

BERLIM - Pai ausente em La Fille d’en Haut, morto em Tão Forte e Tão Perto, autoritário em Jayne Mansfield’s Car, autocentrado e egoísta em Home for the Weekend. A família tem estado em discussão no 62.º Festival de Berlim, mas essa não é exatamente uma novidade da seleção. Já é uma tradição da Berlinale que os filmes abordem as relações entre pais e filhos para tratar do tema da autoridade e, por que não?, das relações entre dominados e dominadores, no mundo moderno. A exceção deste ano, o corpo estranho na seleção é o mais belo filme que foi dado a ver até agora, melhor do que o dos irmãos Taviani, Cesare Deve Morire.

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Um filme português, coproduzido pelo Brasil (a Gullane Filmes) e interpretado por um ator de Santa Catarina que está fazendo carreira no teatro de São Paulo (Ivo Müller). Chama-se Tabu e é obra de Miguel Gomes. O cinéfilo de carteirinha deve se lembrar de Aquele Querido Mês de Agosto, o longa precedente do autor, em que ele usava uma investigação sobre cantos populares do interior de Portugal para tecer uma história que se desenrolava em diversos planos, no da realidade como da ficção. Tabu agora radicaliza. Um filme mudo, em preto e branco, totalmente narrado em off. Há quem odeie esse tipo de narração. Vão ter de engolir, pois se trata de uma audaciosa opção estética.

Tabu, o título, evoca a obra-prima de Friedrich Wilhelm Murnau (em parceria com Robert Flaherty) e a heroína é Aurora, como outro filme de Murnau. Apesar disso, Miguel diz que não pretendeu homenagear o cineasta nem o próprio cinema. As referências, que existem, foram se integrando espontaneamente ao relato, que se divide em duas partes. Paraíso Perdido narra a história de três amigas idosas em Lisboa. Uma delas morre e, entre os seus pertences, encontra-se o nome e o endereço de um homem. As sobreviventes o buscam e esse homem conta a história que ocupa a segunda parte. É Paraíso. A velha dama que vivia perdendo dinheiro no cassino teve uma fase áurea na África. Segue-se uma estrutura romanesca, sobre uma mulher dividida entre o marido (Ivo Müller) e o amante. Podem-se ver nessa história os signos da dimensão política e social – o colonialismo, a família – que tanto atraem Berlim, mas a questão da linguagem segue sendo fundamental para Miguel Gomes. A linguagem oral, a escrita, a cinematográfica. Faz tempo que o cinema não conta uma história de romance antigo, tradicional, como a da segunda parte de Tabu. E, menos ainda, que a conte nesse estilo que parece se apropriar do passado, embora com uma perspectiva de vanguarda – mas cuidado com a palavra, que já carrega hoje em si algo de desgaste.

É curioso comparar Tabu com O Artista, favorito para o Oscar. Depois que o filme ganhou os prêmios da Liga, ou sindicato, dos produtores, o produtor Thomas Langmann disse que o diretor Michel Hazanavicius e ele sabiam estar endereçando uma carta de amor à América. O que não sabiam é que receberiam em troca sua fatia do sonho americano. Tabu não é palatável assim. Exige mais do público. O clima, embora embebido de Murnau – solidão, tragédia –, tem algo a ver com um êxito da homenageada deste ano com o Urso de Ouro de carreira. Nos anos 1980, Meryl Streep fez Entre Dois Amores, Out of Africa, de Sydney Pollack. Era um filme sobre uma escritora, Karen Blixen, mais conhecida como Isak Dinesen, que trabalha com as palavras – como a heroína de Tabu escreve cartas, e as recita.

Fulgurante objeto não identificado, o óvni da seleção de 2012 da Berlinale, Tabu terá condições de ser apreciado pelo júri presidido por Mike Leigh? O tipo de cinema que ele pratica o encaminha mais para Jayne Mansfield’s Car, o longa escrito, dirigido e interpretado por Billy Bob Thornton. Uma família dividida por ressentimentos, o pai militar e os três filhos, dois condecorados na guerra e o terceiro um hippie que protesta contra o envolvimento no Vietnã (a história passa-se em 1969). Esse pai é amargurado pelo abandono da mulher, que se casou de novo e foi morar na Inglaterra. Agora, ela morreu e o detestado marido inglês vem trazer o corpo para ser enterrado no Deep South da América. Explodem os conflitos, mas a família se reintegra. O caminho do alemão Hans Christian Schmid é inverso em Home for the Weekend. A família, desta vez com dois filhos, reúne-se no fim de semana. Anúncios são feitos, a mãe desaparece e o grupo termina desintegrando-se. Bons filmes, mas muita gente, aqui, implicou com o fascínio do pai de Billy Bob pelos acidentes de carro (a referência a Jayne Mansfield) ou com o desaparecimento da mãe. Queriam explicações, de certo, que enfraqueceriam a ambiguidade dos filmes.

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