Filme mostra cotidiano dos judeus ortodoxos em Paris

A diretora Karin Albou mostra, com delicadeza, como uma mulher jovem deve atravessar um caminho de preconceitos para chegar à sua liberdade possível

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Por Agencia Estado
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A Pequena Jerusalém é um filme de olhar feminino. Não feminista: feminino, o que é diferente. A diretora Karin Albou situa seus personagens nesse núcleo da comunidade judaica situado no bairro de Sarcelles, na periferia parisiense. Sua protagonista é Laura (Fanny Valette), jovem de 18 anos, que estuda filosofia e vive em uma família religiosa ortodoxa. Sem pai, ela mora com a mãe viúva, a irmã, e o marido desta, Ariel (Bruno Todeschini), um religioso atormentado. O filme todo é estruturado nesse dilema que corre entre a lei e o desejo. Isto é, entre a prescrição e a transgressão. Karin mostra como essa tensão afeta a alma feminina. Laura estuda filosofia e descobre que Kant colocava uma barreira aos próprios desejos para que o pensamento, em estado puro, pudesse emergir. Trata-se de um conceito pré-romântico - a razão deve estar depurada da paixão, que apenas atrapalha e desvia o ser da conduta correta, tanto do ponto de vista intelectual como do moral. O interessante é ver como a diretora coloca o desejo como esse fator que intervém, não apenas na boa ordem da filosofia como da religião e a moral e dos bons costumes. Para além desse mundo depurado da vida (a universidade, a família ortodoxa), há a vida real. E nesta, a carne e suas exigências, que cobra seu preço tanto de Laura como de Ariel e sua mulher, Mathilde (Elsa Zylberstein). Laura quer se confinar no seu mundo porque a paixão vai desviá-la do caminho. Mas nada pode contra a atração que sente pelo jovem argelino que trabalha com ela. Ariel também falha no seu desejo de controle, porque busca na rua a satisfação que não encontra em casa. E assim por diante. A ciranda do desejo entra com força no circuito familiar, nas relações entre religiões e etnias e no espaço do trabalho. Como funciona no registro do desejo, A Pequena Jerusalém quer ser, também, sensual em suas imagens. Trabalha na proximidade do corpo, da carne, dessa mesma carne que faz suas exigências ao intelecto e à razão. Mas a proposta não se limita à busca da felicidade sexual das personagens. Longe disso. Karin Albou estende sua investigação a um território tão amplo quanto as questões filosóficas debatidas por alguns dos seus personagens - quer checar quais as condições de exercício da liberdade nos dias de hoje. Nessa nossa contemporaneidade que se quer laica e livre, mas está longe de ser uma coisa ou outra. Nesse pequeno microcosmos situado nas margens de Paris vê-se como a tradição milenar exerce sua influência mesmo na cosmopolita França do século 21. As antigas questões estão lá presentes e, até por isso, a diretora resolveu situar sua história no ano de 2002, por ocasião da segunda Intifada, quando os conflitos religiosos se acirraram na França. Mas esse conflito em particular passa em segundo plano nesse filme delicado que mostra como uma mulher jovem deve atravessar um caminho de preconceitos para chegar à sua liberdade possível. A Pequena Jerusalém (La Petite Jerusalém, Fr/2005, 99 min.) - Drama. Dir. Karin Albou. 16 anos. Reserva Cultural 2 - 13h50, 15h50, 17h50, 19h50, 21h50. Cotação: Bom

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