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Filme 'Menino 23', sobre trabalho escravo, provoca surpresa no Cine Ceará

Longa que aborda exploração infantil é destaque no evento

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

FORTALEZA - Crianças submetidas a trabalho escravo durante o Estado Novo. Com esse tema, Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisário Franca, causou pasmo no Cine Ceará e é, até agora, o filme com maior probabilidade de vitória. Ressalve-se que ainda há concorrentes a serem apresentados. Os troféus serão distribuídos nesta quarta à noite no Cine São Luiz.

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Menino 23 mostra a história de 50 crianças negras que viviam num orfanato no Rio de Janeiro e, “adotadas” por uma família rica, foram levadas para uma fazenda no interior de São Paulo. Lá viveram, tiveram educação precária, trabalhando de sol a sol sem remuneração e sofrendo punições físicas em caso de indisciplina. O filme baseia-se na tese de doutorado do historiador Sidney Aguilar Filho, defendida na Unicamp – Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do Trabalho e Violência à Infância Desamparada no Brasil (1930-1945).

Sidney conta que a ideia da pesquisa surgiu quando uma aluna lhe trouxe um tijolo antigo, mas que trazia uma marca de fabricação inusitada, uma suástica. Ele seguiu essa pista e chegou à incrível história de uma época em que no Brasil se seguia uma política higienista, baseada nos princípios do fascismo e do nazismo. Tal “ambiente” cultural tornava possível que se importassem garotos pobres (negros em sua maioria), tirando-os do Rio de Janeiro, e levando-os ao meio rural para prestarem trabalho escravo. O título do filme baseia-se no fato de que as crianças eram tratadas por números na fazenda. Na apresentação no Cine São Luiz, a obra foi ovacionada pelo público.

O documentário ganha espessura ao entrevistar dois sobreviventes do período: Aloísio da Silva, o “23”, e Argemiro Santos, que tiveram destinos diferentes. Depois de “libertado”, Aloísio permaneceu no local, a fazenda Santa Albertina, em Campina do Monte Alegre, interior de São Paulo. A fazenda fazia parte das propriedades de Oswaldo Rocha Miranda, simpatizante do integralismo e do nazismo. Nelas, o gado era marcado com a suástica. Argemiro empreendeu fuga. Perambulou, foi morador de rua em São Paulo, engraxate e acabou por se alistar na Marinha. Hoje, aos 93 anos, mora em Foz do Iguaçu. Aloisio morreu com 93 anos.

Num momento-chave do filme, o cineasta faz Argemiro ouvir determinada música num gravador. Argemiro passa a cantar e vai até o final do Hino Integralista, que “tínhamos de cantar toda manhã antes de começar o trabalho”, lembra.

Além desses dois depoimentos, Belisário também consegue o da família de José Alves de Almeida, já então falecido, conhecido como "Dois" e treinado para ser caseiro da fazenda. "Dois" manteve relacionamento próximo com Reginaldo, um dos descendentes dos Rocha Miranda.

O filme é bem contextualizado e, sem deixar de provocar emoção, faz o espectador refletir sobre a situação daquelas crianças e das políticas brasileiras para os pobres. “Procurei não me desconectar nem da história dos meninos e nem da História (com agá maiúsculo)”, diz o diretor, que teve não apenas assessoria de Sidney Aguilar, mas transformou o acadêmico em narrador desse extraordinário filme.

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