Filme inédito de Suzana Amaral abre Festival Sesc

Uma Vida em Segredo, baseado em texto de Autran Dourado, dá início à retrospectiva do Sesc Melhores Filmes de 2001, este ano em sua 28.ª edição

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Por Agencia Estado
Atualização:

O ainda inédito Uma Vida em Segredo, segundo longa de Suzana Amaral, abre amanhã, para convidados, o Festival Sesc dos Melhores Filmes de 2001. O evento, tradicional da cidade, está em sua 28.ª edição, e é sempre esperado pelos cinéfilos como uma espécie de "última chance" para ver ou rever filmes exibidos comerciamente no ano anterior. Os títulos são escolhidos pelo público e pela crítica e, com esse colégio eleitoral misto, o festival acaba reapresentando o que realmente de melhor passou pelos cinemas. Numa cidade babilônica como São Paulo, em que muitas vezes a quantidade prevalece sobre a qualidade, um evento como este ajuda a restabelecer proporções e colocar as coisas em seus lugares. Neste ano, houve convergência nas votações da crítica e do público, "entidades" que o senso comum gosta de pensar como separadas ou mesmo incompatíveis. No fundo, claro, tudo depende do tipo de crítica e do tipo de público de que se fala. Pelo lado do cinema nacional, Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, e Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, lideraram as duas listas, em primeiro e em segundo lugar, respectivamente. Alguns outros brasileiros apontados foram Memórias Póstumas, de André Klotzel, Babilônia 2000, de Eduardo Coutinho, Domésticas, de Fernando Meirelles e Nando Olival, entre outros. Nem tudo são flores. A crítica escolheu como um dos melhores do ano o noir à brasileira Bufo & Spalanzani, de Flávio Tambellini, opção paga, na lista do público, com a comédia romântica Amores Possíveis, de Sandra Werneck. Um vale pelo outro. Entre os estrangeiros, nova convergência: Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-Wai, lidera as duas listas. Nada mais justo para um filme que une reflexão e sensualidade, e sintetiza essas qualidades no corpo de Maggie Cheung, atriz de rara presença e beleza. Outros destaques das votações: As Coisas Simples da Vida, Amores Brutos, Moloch, O Círculo, Caminho para Kandahar, Nove Rainhas e Infiel. O público abriu espaço para Pão e Tulipas, do italiano Silvio Soldini, que a crítica esnobou, provavelmente por achar pouco "artístico", mas é uma delícia. Se você não assistiu, não perca a chance. Conta a história de uma dona de casa oprimida e entediada que agarra com as duas mãos uma rara oportunidade de mudar de vida. Moloch, de Alexander Sokurov, foi a proposta cinematográfica mais ousada do ano, mostrando a intimidade de Hitler e sua entourage, não à maneira naturalística e sim mimetizando um clima de pesadelo - quer dizer, aproximando-se do real da coisa. E Amores Brutos, do mexicano Alejandro González Iñarritu, foi a proposta mais enérgica. Com sua história em três atos, flagrando a quente o caos urbano na Cidade do México, Iñarritu mostrou que bem ou mal, e contra toda a expectativa, um novo cinema está nascendo no continente. Convém conhecê-lo. Estes filmes são o retrospecto do melhor, mas vale reservar espaço para a novidade, que é Uma Vida em Segredo, de Suzana Amaral, adaptada de um texto de Autran Dourado. É grande a curiosidade pela volta de Suzana, que estreou na direção em 1985 com A Hora da Estrela, versão para o cinema do romance de Clarice Lispetor. Há uma continuidade entre os dois trabalhos, separados por tantos anos, e ela se dá pela delicadeza no tratamento de temas difíceis, pelo mergulho sensível no universo feminino, por uma vocação camerística na direção das atrizes. Se A Hora da Estrela é indissociável da figura de Marcélia Cartaxo, Uma Vida em Segredo traz para o cinema a revelação de Sabrina Greve, atriz contida, expressiva, mas com o dom da nuance, coisa rara por aqui, como se sabe. Ela interpreta Biela, uma moça que mora no meio do mato, fica órfã e vem morar na casa de uma prima (Eliane Giardini). Esta tenta preparar a moça para o casamento, vesti-la, ensiná-la a segurar os talheres, etc. Prendas domésticas, como se dizia. Mas Biela não liga para nada disso. É um bicho do mato, um ser da natureza, gosta de andar livre pela rua, futricar com as comadres. Arranja um cachorro vira-latas e apaixona-se perdidamente pelo animal. Lembra um pouco o mito do bom selvagem, de Rousseau, mas à moda da casa, interiorana, mineira, despojada. A história se resume a esse fiapo de enredo e a direção a adapta para o cinema com igual simplicidade. Para Suzana Amaral, "menos é mais". Opção minimalista que se traduz na busca da emoção profunda por meio de elementos mínimos - mais ou menos o contrário de Spielberg, que acossa o espectador com cenas pungentes, devidamente reforçadas por uma trilha sonora de emocionalidade massacrante - só para ter certeza de que o cidadão vai chorar, mesmo. Em Uma Vida em Segredo a opção é pela delicadeza. Opção corajosa hoje em dia. Festival Sesc dos Melhores Filmes de 2001. Quinta, às 17 horas, A Língua das Mariposas, de José Luís Cuerda; quinta, às 19 horas, Réquiem - Um Encontro com Fernando Pessoa/98, de Alain Tanner, dur. 100 min.; quinta, às 21 horas, Tabu/2000, de Nagisa Oshima, dur. 113 min. Sexta, às 17 horas, Hedwig - Rock, Amor e Traição, de John Cameron Mitchell; sexta, às 19 horas, E Sua Mãe Também, de Alfonso Cuarón; sexta, às 21 horas, Antes do Anoitecer, de Julian Schnabel. Sábado, às 15 horas, A Partilha, de Daniel Filho; sábado, às 17 horas, Bem-Vindos de Likas Moodyson; sábado, às 19 horas, Billy Elliot, de Stephen Daldry; sábado, às 21 horas, Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-wai. Domingo, às 15 horas, Tônica Dominante, de Lina Chamie; domingo, às 17 horas, Amores Possíveis, de Sandra Wernek; domingo, às 19 horas, A Viúva de Saint-Pierre, de Patrice Leconte; domingo, às 21 horas, Moulin Rouge, de Baz Luhrmann. Diariamente. R$ 8,00. CineSesc. Rua Augusta, 2.075, centro, São Paulo,tel. 3082-0213. Até 14/4. Abertura amanhã, às 20h30, para convidados, com a exibição do filme Uma Vida em Segredo, de Suzana Amaral.

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