Filme francês em cartaz conta a tragédia de um amor proibido no século 17

‘Marguerite & Julien’ fala de um caso verídico de incesto entre irmãos ocorrido na França, em 1603

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Marguerite & Julien, de Valérie Donzelli, foi apedrejado no Festival de Cannes do ano passado.

Na verdade, a reação crítica foi dividida. Entre as quatro estrelas dos Cahiers du Cinéma e a estrela solitária do Libération, há toda uma gama de opiniões.

Tabu. Anaïs Demoustier e Jérémie Elkaïm, os irmãos Foto:

PUBLICIDADE

O filme tem origem ilustre. Trata-se de um roteiro de Jean Gruault (o mesmo de Jules e Jim) para François Truffaut, que acabou não o filmando. Ficou inédito e caiu agora com Valerie, cineasta ousada, conhecida entre nós por seu A Guerra Está Declarada. Este filme narra a saga dos pais para conseguir tratamento para uma criança atingida por grave doença.

Como Valerie não brinca em serviço, o tema de Marguerite e Julien também não é refresco. Trata-se da história (verídica) de um caso de incesto entre irmãos com desfecho trágico. Marguerite e Julien amam-se desde a tenra infância. Quando se tornam adultos, dão seguimento à paixão mútua, por outras vias, naturalmente.

A família deles, Ravalet, é rica, mora num castelo no campo, tem serviçais e todos os confortos, mas nem os poderosos escapam ao tabu do incesto. De modo que, para separar os amantes, a família Ravalet arruma um casamento de conveniência com um comerciante abastado, o que só faz agravar as coisas. O final trágico é mais do que esperado.

Mas não é isso que mais chama a atenção no filme de Valerie Donzelli e sim sua maneira de filmar. Por exemplo, usa à vontade anacronismos, que conferem certo distanciamento ao enredo. Num filme de época (1603), o primeiro plano mostra um helicóptero levantando voo. Outros utensílios contemporâneos imiscuem-se na trama, como um telefone ou um automóvel. Não se trata apenas disso. Os diálogos soam contemporâneos e os atores, Anaïs Demoustier (Marguerite) e Jérémie Elkaïm (Julien), não parecem pessoas do século 17, mas jovens que poderiam ser vistos nas ruas, dentro do metrô, tomando café no bistrô.

O propósito parece simples – fazer o ‘aggiornamento’ da história, considerando que o incesto continua tabu nos dias de hoje (é dado de estrutura e não de circunstância), embora não cause punições como as daquela época. Também serve para espanar a poeira e tirar o mofo que se acumulam com tanta facilidade nos filmes de época. Enfim, esta é uma história rock’n’roll, que fala de um caso antigo e o traz para os nossos dias.

Publicidade

Aceitas as premissas, não há, a meu ver, motivo para desgostar de Marguerite & Julien. Pelo contrário. Ele tem o sabor agridoce dos amores proibidos e o frêmito de indivíduos apaixonados batendo-se contra o poder maior do Estado que, como se sabe, não discute suas razões. O filme é sacudido e tem ritmo. O fecho se dá com um belo poema de Walt Whitman, o que seria um anacronismo a mais, já que o poeta viveu no século 19 e a história se passa no 17.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.