Filme faz elogio da serenidade

A Vida sobre um Fio, do diretor Chen Kaige, volta ao cartaz nesta sexta-feira, com a história de dois músicos cegos na China rural

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Por Agencia Estado
Atualização:

O relançamento de A Vida por um Fio permite lembrar o grande artista que é o cineasta chinês Chen Kaige. Ele fez certo furor no circuito cult ao ganhar a Palma de Ouro em Cannes em 1993 com Adeus Minha Concubina. Este é um filme suntuoso, aplicado, que contempla tanto a reflexão como o espetáculo. Além disso, traz uma crítica sutil à revolução cultural chinesa, da qual o diretor participou como militante, e se arrependeu depois. O fato mediático era o seguinte: como muitos garotos de sua época, Kaige embarcara na revolução e denunciara o próprio pai. Depois, abriu os olhos, retratou-se e obrigou-se a pedir perdão no leito de morte do pai. Essa história comovente deu novo colorido a um filme já em si forte até demais. O contraponto a ele é este A Vida por um Fio, cronologicamente anterior a Concubina. Se este tem o feitio de ópera, aquele parece música de câmara. Um trabalho delicado, zen, em tom de fábula. Fala de dois músicos cegos, um jovem, outro velho, que perambulam pela China rural. Mestre e discípulo, com seus instrumentos, encontram forças na crença de que quando a milésima corda de seus instrumentos se romper a cegueira será curada. A vida exige rigor, disciplina e, sobretudo, paciência oriental. O conflito da trama acontece quando, na visita a uma aldeia, o discípulo conhece uma moça e se apaixona. Mas será que o entrecho tem tanta importância nesse caso? Apostaria que não. Kaige parece beber na fonte da milenar cultura do seu país para montar essa fábula zen-budista, que é um elogio da serenidade como forma de resistência. É possível que Kaige tenha esperado mil cordas se romperem para escapar, ele mesmo, da cegueira que o atingia e o fez delatar um pai suposto desviante. Mas, claro, essa pequena e simpática alegoria não esgota a beleza de um filme que tem como pontos altos os planos lentos e a fotografia suntuosa. Esses trunfos pictóricos fizeram a fama internacional do novo cinema chinês, que se tornou conhecido no mundo justamente pelas obras de Kaige e de Zhang Yimou (autor de Lanternas Vermelhas, entre outros). Eram filmes que se colocavam como antídotos à pressa e à superficialidade ocidentais, como se expressassem alguma coisa de precioso e fundamental que teria sido esquecido do lado de cá do mundo. O cinema chinês parecia ter vindo para ficar e durante algum tempo não se falou em outra coisa no mundo cinéfilo que não fosse essa famosa "quinta geração", da qual Kaige e Yimou eram os nomes mais conhecidos. Foi uma geração de transição, recém-liberta, e a duras penas, do realismo socialista. Muitos deles sentiram na pele a dureza do maoísmo. Kaige, depois do episódio da denúncia do pai, ainda precisou ser "reeducado". Yimou ficou anos sem poder freqüentar a escola oficial de cinema, e assim por diante. Uma relativa liberalização política foi suficiente para mostrar o quanto havia de talento represado naquele país. No entanto, a onda chinesa passou, foi substituída, no plano internacional dos festivais, pela moda iraniana e agora esta já se encontra em retração. Essa transitoriedade não é culpa nem dos chineses nem dos iranianos. É uma característica do tempo, que nivela tudo e a tudo transforma em moda passageira. Felizmente, ficam os filmes. A Vida por um Fio foi apresentado aqui durante a Mostra Internacional de Cinema e depois sumiu. A chance de vê-lo, ou revê-lo, não deve ser desperdiçada. A Vida sobre um Fio (Life on a String). Drama. Direção de Chen Kaige. China-Alem/91. Duração: 115 minutos. 12 anos.

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