Filme 'Em um Bairro em Nova York' celebra a comunidade latina

Musical, que estreia dia 17 no Brasil, valoriza a experiência do imigrante latino

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Por Jake Coyle
Atualização:

Quando ainda era estudante, em Wesleyan, Lin-Manuel Miranda começou a escrever o que viria a se tornar Em um Bairro de Nova York, o musical que o revelaria como dramaturgo e ator - e que levaria, duas décadas depois, à extravagante adaptação ao cinema de Jon M. Chu, que chega ao Brasil no dia 17. Como qualquer outro artista jovem e confiante, ele foi motivado pela ambição. Mas também por algo mais. “Eu tinha muito medo, honestamente”, afirmou Miranda em uma entrevista recente. “Foi um grande despertar para mim, aos 18, 19 anos, começar a estudar teatro. O medo era: estou entrando num ramo em que não há espaço para mim, que não há papéis para mim. Tipo, ninguém vai escrever o espetáculo dos meus sonhos, a cavalaria não está vindo me salvar.”

Cena do filme 'Em um Bairro em Nova York', de Lin-Manuel Miranda. Foto: Macall Polay/Warner Bros. Entertainment via AP

Quando Em Um bairro de Nova York estreou nos Estados Unidos, na sexta, 11, poderia parecer que chegou a salvação. O filme, obra de inspiração popular, é repleto de música e dança, digno dos antigos musicais da MGM, uma exuberante celebração da experiência dos latinos com a imigração, a respeito da vida em uma vizinhança de misturas étnicas e culturais, durante um fervilhante verão nova-iorquino. O longa, que tinha lançamento previsto originalmente para junho do ano passado, chega envolto numa aura de acontecimento cultural para uma das mais flagrantemente desconsideradas comunidades retratadas pelo filme. E, como uma enorme celebração do cinema, Em um Bairro de Nova York terá a possibilidade de reacender uma experiência teatral de euforia e dança quase morta ao longo do ano passado. Mas quanta coisa o filme é capaz de levantar? “É muita coisa”, suspira Miranda, “para um só musical”.

As atrizes Melissa Barrera, Stephanie Beatriz, Leslie Grace, Dascha Polanco e Daphine Rubin-Vega. Foto: Macall Polay/Warner Bros. Entertainment via AP

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Ainda assim, este momento pareceu predestinado, apesar da inclinação anterior de Miranda para lançar o filme em plataformas de streaming no ano passado. Em um Bairro de Nova York é um gigantesco lembrete do que estávamos perdendo, no ano passado, dentro e fora das telas, por causa da pandemia. Chu chama o filme de “vacina contra tristeza”. "No primeiro dia de filmagem, fizemos um círculo e foi tipo, 'Deixa essa pressão ir embora, vamos entreter pra caramba essas pessoas e pronto'", recorda-se Chu, diretor de Podres de Ricos. “Filmamos durante o melhor verão das nossas vidas, em 2019”, afirma Miranda. "Isso mostra como é maravilhoso quando nos juntamos para cantar uma música ou abraçamos nossos pais sem medo. Agora isso afeta a gente de um jeito diferente.”

Em um Bairro de Nova York foi elogiado quase universalmente pelos críticos.Mas por mais que o musical passe a certeza de que vai estourar nas bilheterias e representará um marco na cultura das comunidade latina dos EUA, o filme estreia em cinemas prejudicados pela pandemia.  O extenso caminho da fita à tela - planos que começaram somente quando Hamilton, de Miranda, fez sucesso na Broadway - significará um teste crucial para os cinemas. Outro percalço: a Warner Bros. lança o filme simultaneamente na HBO Max americana.

Assista ao trailer:

Os realizadores esperam que Em um Bairro de Nova York possa representar para os latinos o que Pantera Negra representou para os negros americanos ou o que Podres de Ricos representou para os asiáticos americanos. Os hispânicos, a maior minoria dos EUA, constituem uma fatia ainda maior entre frequentadores de cinema, apesar de normalmente ausentes das maiores produções de Hollywood. Para Chu, a experiência de marco cultural e sucesso da cultura pop que ele teve com Podres de ricos depende principalmente do público. “Mesmo em Podres de Ricos não dava para dizer que seria assim. Só deu para perceber isso a partir do segundo fim de semana, quando as pessoas começaram a voltar para assistir novamente, e do terceiro fim de semana, quando pessoas que não vão ao cinema começaram a aparecer”, afirma o diretor. “Comprar ingressos para esse filme - tomar uma atitude em vez de ficar apenas no discurso - virou uma manifestação democrática que nenhum estúdio poderia inventar.” Oscilando entre mares de dançarinos que ocupam a tela inteira e retratos íntimos da vida dos imigrantes, Em um Bairro de Nova York conta uma história tanto particular quanto comunitária. Em um papel escrito originalmente por Miranda, Anthony Ramos estrela o filme como Usnavi, um dominicano que vive nos EUA, dono de uma bodega e que sonha voltar para o Caribe. Ramos já havia interpretado Usnavi em uma montagem regional do musical, mas o sucesso veio com “Hamilton”, em que interpretou dois papéis, de John Laurens e Philip Hamilton. Os versos e o pano de fundo de Em um Bairro de Nova York são especialmente significativos para Ramos que, nascido em Bushwick, exibe no filme um desempenho capaz de alçá-lo ao estrelato, impregnado pela malandragem da gíria nova-iorquina e o carisma de seu grande sorriso. “As histórias de todos esses personagens soam tão familiares à minha vida e às pessoas na minha vida, que eu via as comunidades em que cresci, em Bushwick e no Brooklyn, em Nova York”, afirma Ramos. “São registros da comida que cresci comendo, da música que cresci escutando. Eu sei quem é o cara da raspadinha de gelo.”

Chris Jackson em cena de 'Em um Bairro em Nova York', que celebra a comunidade latina. Foto: Macall Polay/Warner Bros. Entertainment via AP

Uma sensação de responsabilidade pesou sobre Ramos durante as filmagens em Washington Heights. Antes de filmar cenas particularmente poderosas, Ramos gritava para a equipe: “Pela cultura!” - um ritual que ele aprendeu com Spike Lee quando atuou na série Ela Quer Tudo. “Isso significava que estávamos no mesmo lugar, no mesmo momento, fazendo um filme e contando uma história maior que nós mesmos”, afirma Ramos. “Esse filme não é só nosso. É das pessoas que vieram antes de nós e das pessoas que virão depois. É dedicado a todos que já tiveram de fazer sacrifícios, que foram obrigados a derrubar uma barreira para conseguir ser aceitos.” A mãe e a irmã de Ramos participaram do filme. Na cena de abertura, sua irmã aparece dançando próxima a ele, com outras quatro pessoas. Há muitas curiosidades assim no elenco. Miranda faz uma figuração no mundo que criou, como o vendedor de raspadinhas de gelo. Muitos artistas que participaram da montagem original, na Broadway, aparecem na coreografia final, entre hidrantes jorrando água. Alguns dos figurantes são alunos de uma escola próxima que montaram seu próprio Em um bairro de Nova York, os realizadores do filme viram uma apresentação e se inspiraram nela. “Isso mostrou pra gente a razão de estarmos aqui”, afirma Chu. A conexão de Chu com o filme é tão forte que ele batizou seu segundo filho de Jonathan Heights Chu - em inglês, o nome da obra é In the Heights. Ele afirmou que quis ouvir essa palavra todos os dias de sua vida e queria que seu filho também a escutasse. Juntamente com Ramos, Leslie Grace estrela como Nina Rosario, uma universitária que passa as férias de verão na casa da família; Corey Hawkins é Benny, um taxista; e Melissa Barrera é Vanessa, que trabalha em um salão de beleza e tenta juntar dinheiro para comprar um apartamento no centro. Para Barrera, uma atriz de 30 anos, nascida no México, sua personagem - uma mulher lutadora, que luta por oportunidade longe de casa - é basicamente ela mesma. “Para mim, (a canção) ’It Won't Be Long Now’ (Não vai demorar muito) é literalmente o hino da minha vida. Esperei uma oportunidade como essa minha vida inteira. Sentia que tinha trabalhado duro realmente na minha carreira, mas sempre achava que algo estava faltando”, afirmou Barrera. “Eu era aquela menina. Deixei o México para trás. Eu sabia que não conseguiria me tornar artista na cidade onde nasci.”

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A atriz Melissa Barrera no filme 'In the Heights', que recebeu o título 'Em um Bairro de Nova York', em português. Foto: Macall Polay/Warner Bros. Entertainment via AP

Quando o filme começava a ser produzido, havia interesse em contratar estrelas pop para alguns papéis. Mas Miranda acreditava fortemente que Em um Bairro de Nova York deveria colaborar para aumentar a variedade de astros latinos, que andavam em falta na indústria. A produção decidiu também trazer a história ao tempo atual, já que o musical estreou em 2008 na Broadway. Isso significou adaptar a obra para abranger acontecimentos como a política de imigração DACA e os desafios enfrentados atualmente pela nova geração de imigrantes. “Quando decidimos pelo agora, criamos espaço para muitos desdobramentos da história”, afirma Quiara Alegria Hudes, que escreveu o livro do musical e o roteiro do filme. “Vivo em Washington Heights. Parte da minha escrita vem de perambular por aí e escutar. A Nina fala, ‘Shhh, quero ouvir minha quebrada’ - meu processo literário é assim.” Para Miranda, a passagem do tempo provocou reflexões sobre o que os latinos conquistaram desde então, e o que ainda precisa mudar. “De muitas maneiras, o tempo que correu atrás de Em um Bairro de Nova York”, afirma Miranda. “O musical era tipo um unicórnio quando estreou, em 2008, especialmente em relação à representatividade dos latinos no teatro comercial. Se olhamos para as pesquisas de público que fazem todos os anos, vemos um pico de espectadores latinos em 2008, mas depois que encerramos as exibições, eles voltaram a não aparecer. A dinâmica do ‘Construa, e eles virão’ foi muito direta.”

Tradução de Augusto Calil

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