Filme discute sonhos da contracultura

Bem-Vindos retrata uma comunidade alternativa sueca nos anos 70 e os conflitos que nascem entre seus integrantes, divididos entre a razão e a intuição

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Por Agencia Estado
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Aos 17 anos, Lukas Moodyson publicou um livro de poemas. Seguiram-se outros livros de poesia e romances. Aos 28 anos, realizou o primeiro filme, o curta Talk, ao qual se seguiu o longa Amigas de Colégio. Aos 32 anos, Moodyson dirige agora Bem-Vindos. O filme estréia nesta sexta-feira. É divertido e coloca algumas questões interessantes sobre a contracultura dos anos 70. Como e por que um diretor sueco tão jovem foi se interessar pelo assunto? Moodyson mora em Malmö, ao sul da Suécia, com a mulher e os dois filhos. Nada mais difícil do que encontrá-lo em casa, por estes dias. Ele está em Nova York, discutindo parcerias e distribuição para o próximo filme. Mas sua mulher, ajuda a esclarecer alguns pontos essenciais. Bem-Vindos tem o título original de Tillsammans. Em inglês ficou sendo Together. Juntos. É a história de um grupo que assume a experiência de viver junto, em comunidade, na Suécia de 1975. O filme começa de forma inusitada. Um homem ouve rádio, deitado numa cama. O locutor anuncia a morte do generalíssimo Franco, na Espanha. Ele pula da cama, no maior contentamento. Sai gritando pela casa: "Franco morreu!" A morte do ditador é comemorada pelo grupo. Abraçam-se, gritam vivas, cantam. A cena, curta, já dá o tom do que sejam (ou de quem sejam) esses personagens. São pessoas de esquerda, claro. O homem meio adormecido é Goran. Na cena seguinte, de novo na cama com a mulher, ele recebe um telefonema da irmã. Ela pede para morar com ele, por uns tempos, provisoriamente. Apanhou do marido e está decidida a abandoná-lo. A irmã é a típica dona de casa burguesa. Goran vive na comunidade alternativa, entre cabeludos de comportamento nem um pouco convencional. Goran é fiel à mulher, embora ela o incentive a ter experiências. É ela quem vai para a cama com outro integrante da república anarco-socialista. Diz que é só uma coisa física, mas entra em crise quando o cara anuncia que vai embora. Goran sofre a contradição de racionalmente defender uma coisa e intuitivamente querer outra. Não é o único a viver essa experiência na comunidade. É um filme sobre a persistência da utopia. Nada mais estranho, no atual mundo globalizado, do que esse mundo de sonhadores e anticonsumistas. Moodyson quer falar sobre o sonho, que teria acabado no fim dos anos 70. A comunidade quer viver em equilíbrio, mas é devorada pelas tensões internas do grupo. Há o gay, a lésbica, o casal dilacerado, o sindicalista desesperado porque ninguém quer ouvir seu projeto político, a dona de casa que espera renascer, seu marido que vive a radical experiência da solidão, um velho solitário que chora a ausência de vínculos. E existem as crianças, que consideram os adultos uns idiotas. A princípio, elas são proibidas de comer carne, de ver TV. No mundo democrático da casa, organizam um protesto para fazer valer seus direitos. Como Moodyson é da classe de 69, tinha 6 anos em 1975. O espectador pode pensar que ele era uma daquelas crianças e, portanto, está exorcizando uma experiência do próprio passado. Sua mulher põe os pingos nos iis. Diz que o filme não é autobiográfico, salvo, talvez, em pequenos toques que permeiam a narrativa e definem o comportamento dos personagens e que podem ter origem em observações pessoais de Moodyson, sobre a vida dele, ou de sua família, ou de amigos e conhecidos. Na verdade, Bem-Vindos surgiu do impacto que produziu no diretor uma exposição itinerante que ele visitou, há alguns anos, em Malmö. Chamava-se Heart Is in the Left. "O coração está na esquerda". O duplo sentido é óbvio. O coração, o órgão do corpo humano, realmente está na parte esquerda do peito, mas existe a metáfora. O coração está na esquerda política. Não são muitos os filmes e diretores que, hoje em dia, ainda têm disposição para assumir sua vocação esquerdista. É um filme sobre a persistência da utopia. As contradições do grupo provocam o esfacelamento da vida comunitária. De repente, está todo mundo cobrando de todo mundo, brigando. O sonho acabou. Mas, não, Moodyson ainda acredita no sonho e encerra Bem-Vindos com outra metáfora, a de um jogo, como atividade que reúne as pessoas. É um filme que você pode amar ou odiar. Chamar de ingênuo ou visionário. Moodyson, de certa forma, parece o herdeiro de Alain Tanner que, em filmes como Jonas Terá 25 Anos no Ano 2000 e sua seqüência recente, também discute o que restou dos sonhos dos que tentaram mudar o mundo nos anos 60 e 70. Bem-Vindos (Together/ Tillsammans). Comédia Dramática. Direção de Lukas Moodyson. Suécia/2000. Duração: 106 minutos.16 anos.

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