Filme da Geórgia oferece minicurso de história

Diretor Aleksander Koberidze faz uma fábula política em 'What Do We See When We Look at the Sky?'

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Um minicurso de História serve de bastidor a What Do We See When We Look at the Sky?, que estreia nesta sexta-feira na plataforma digital Mubi, após passagem pelo Festival de Berlim 2021, remontando ao passado cinematográfico da extinta URSS. Das 15 repúblicas reunidas sob a égide da União Soviética, entre 1922 e 1911, a Geórgia – pátria dessa fabular narrativa romântica de Aleksandre Koberidze – foi um dos países que mais preservaram o legado do grande cinema eslavo do século 20, mesmo com os rearranjos geopolíticos daquele território, avançando suas pesquisas audiovisuais para além dos códigos realistas e documentais do passado. “Vivemos, durante a era soviética, um período de euforia de cineastas que fizeram uma ou duas experiências únicas, livres, até que o colapso do regime criou uma paralisia em nossa produção, onde pouquíssimos longas foram rodados”, diz Koberidze, em entrevista via Zoom ao Estadão. “Só recentemente houve uma movimentação para que algo de novo acontecesse, mas sempre primando por essa marca de filmes muito distintos entre si”.

Cena do filme What do We See When We Look at the Sky, de Aleksandre Koberidze. Foto: MUBI

Em Berlim, falou-se muito de “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004) como um parente próximo de What Do We See When We Look at the Sky?, embora Koberidze jure não ter visto o cult de Michel Gondry, com Kate Winslet e Jim Carrey. Mas a questão da memória, entre os dois, é similar. No romance vindo da Geórgia, estamos na cidade ribeirinha de Kutaisi, onde o clima ameno do verão e a febre da Copa do Mundo aquecem a rotina de seus moradores. Depois de se esbarrarem algumas vezes por acaso, os planos da farmacêutica Lisa (Ani Karseladze) e do jogador de futebol Giorgi (Giorgi Bochorishvili) são frustrados quando acordam magicamente transformados, sem meios de se reconhecerem. Da noite para o dia, eles mudam de forma, constantemente, sem descobrir como reverter esse estado, capaz de refletir as transformações sociais e políticas daquela nação. “Quem é que pode parar, prestar atenção ao outro e ajudar o próximo nos dias de hoje? Essa é a questão que me move, agravada por uma discussão sobre o que é urgente e essencial em nossa realidade. Que tamanho uma angústia amorosa pode ter diante dos problemas sociais que cercam um país como a Geórgia?”, diz o realizador, antes conhecido por filmes como Colophon (2015). O longa de Koberidze é pautado pela certeza de que o inusitado dita as regras das relações interpessoais. Exuberante, a fotografia de Faraz Fesharaki abusa do colorido de aparência sépia ao retratar tanto espaços abertos quanto ambientes íntimos. É uma narrativa que valoriza ao máximo a geografia a seu redor, mas sem abrir mão da geopolítica da intimidade, no silêncio de seus personagens. “É pelo silêncio que as angústias falam”, diz o realizador, que diz se reportar ao cinema mudo como sua principal referência, em especial os filmes de Buster Keaton (1895-1966). “Todas as ideias que hoje operacionalizam o cinema estão em Keaton, testadas décadas atrás.” 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.