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Filme brasileiro reinventa o cinema mudo

A Festa de Margarete foi feito com orçamento baixo, em preto-e-branco, sem diálogos. O resultado é uma contradição em termos: o que o filme tem de atraente tem também de limitação

Por Agencia Estado
Atualização:

Nosso filme é bem pequeninho, disse a atriz Ilana Kaplan ao apresentar A Festa de Margarete no recente Festival de Tiradentes, no fim de janeiro. E é mesmo: o filme do estreante (em longa) Renato Falcão foi realizado com orçamento pífio, em preto-e-branco. Falcão, que vive em Nova York e trabalha como diretor de fotografia de comerciais no Brasil, nos EUA e na França, teve uma sacada original. Quis fazer, em pleno 2002, um filme mudo. O tour-de-force é inegável, mesmo que o conceito de A Festa de Margarete repouse numa contradição em termos: o que o filme tem de atraente tem também de limitação. A idéia daria um excelente curta. Esticada, vai perdendo a graça e, ao fim de 80 minutos, o espectador está exausto. Mas é uma experiência curiosa, que vale conhecer. O gaúcho Falcão é autor total: diretor, fotógrafo, roteirista e montador. Conta a história de um desempregado que faz de tudo para oferecer à mulher uma grande festa de aniversário. Hique Gomez, autor da música, faz o protagonista, Pedro. Ilana, que teve fugaz passagem pelo elenco de Sai de Baixo, faz sua mulher e o elenco ainda tem a participação da veterana Carmem Silva, presente em Mulheres Apaixonadas, a nova novela das 8. O diretor conta que a idéia do filme lhe veio por meio de um sonho. A partir daí, pode-se definir A Festa de Margarete como um sonho de cinema ou o sonho de um certo cinema. Falcão homenageia os primórdios do cinema, na fase anterior ao sonoro. Muitos críticos e historiadores acham que o cinema mudo era também o cinema puro. Com o advento do som, vieram as impurezas. No recente Festival de Berlim, a retrospectiva dedicada a Friederich Wilhelm Murnau, expoente do expressionismo, mostrou que o cinema mudo atingiu com ele uma espécie de ápice. Filmes como A Última Gargalhada e Aurora representam a suprema perfeição dessa maneira pura de expressar-se, prescindindo dos diálogos. Murnau morreu no começo dos anos 1930. É inútil especular como ele conseguiria resolver a passagem do cinema silencioso para o sonoro. Dada a perfeição de seus filmes mudos, talvez fosse traumática, para ele, como foi para Charles Chaplin, que teve dificuldades para ajustar seu personagem Carlitos às novas exigências da estética do cinema sonoro. Quando finalmente incorporou a palavra, no discurso final de O Grande Ditador, há pouco reprisado - em cópia nova -, Chaplin criou uma das cenas mais belas e emocionantes do cinema. É interessante observar que o diretor de A Festa de Margarete também esteve em Berlim, onde seu filme foi apresentado no mercado. Falcão fez um corpo-a-corpo com compradores internacionais, tentando vender seu filme. Embora barata, a produção foi quase toda paga com dinheiro do bolso do próprio diretor, que ficou endividado. O lançamento modesto de A Festa de Margarete não permite supor que ele consiga recuperar o investimento na bilheteria, mas o filme pode atrair a parcela de público disposta a prestigiar um produto alternativo, na contracorrente do cinema clipado com que Hollywood domina hoje as telas de todo o mundo. O filme foi feito à moda antiga, rodado a 18 quadros por segundo, o que lhe dá aquele aspecto corridinho, próprio das obras do cinema mudo. Boa parte, senão todo o humor, das comédias de Carlitos, de Buster Keaton e Harold Lloyd vinham dessa aceleração do gag e da imagem, na qual o carro participava como um bicho doméstico, antes da massificação imposta pela indústria automobilística na segunda metade do século 20. Talvez o maior problema de A Festa de Margarete esteja no fato de que o diretor, ao prescindir dos diálogos, atribuiu à música um peso muito forte. Nada a objetar quanto à qualidade da partitura de Hique Gomez, que forma, com Nico Nicolaiewsky, uma dupla de sucesso no Rio Grande do Sul, com um espetáculo, Tangos e Tragédias, que já dura 20 anos em cartaz (e que ambos estão sempre renovando). O problema, em si, não é a qualidade da música, mas sua utilização excessiva. Ela torna o filme uma sucessão ininterrupta de momentos fortes que, esses sim, terminam contribuindo para cansar o espectador.

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