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Filme alemão choca Festival de Berlim

Angústia retrata a crise de uma casal, ele um dramaturgo, ela uma médica. Com grandes atuações de Andre Hennicke e Marie Raeumer, filme de Oskar Roehler vai fundo nas relações entre amor e morte

Por Agencia Estado
Atualização:

Dava para pensar em Shakespeare: nunca houve um silêncio tão grande no palácio do festival, o Palast, como o que se seguiu à exibição de Der Alte Affe Angst, ou simplesmente Angst (Angústia), o último filme alemão da competição. As pessoas iam saindo em silêncio, alguém saiu do estado de choque e aplaudiu, os aplausos foram crescendo e não se pode dizer que tenham virado uma ovação, mas o filme de Oskar Roehler certamente não passou em branco. É o mais terrível dos filmes metafóricos sobre morte e doença que têm a tônica, aqui na Berlinale. Susan Sontag teria adorado essa série de metáforas sobre o câncer. Angústia conta a história de um casal. Na primeira cena, eles já estão se agredindo verbalmente. Não fazem sexo há seis meses. O marido é dramaturgo, escreve para teatro, uma peça sobre a miséria moral da civilização. Como num coro grego, homens e mulheres nus no palco suplicam para uma dama impassível: "Fale conosco." A mulher é médica: trata de aidéticos, um menino condenado a morrer e que o diretor filma a considerável distância, nunca querendo forçar a barra da emoção. O marido freqüenta prostitutas, seu pai, um escritor, está morrendo de câncer, a mulher tenta o suicídio, engravida, na única vez em que conseguem ter relações, aborta em seguida e tenta o suicídio de novo. O sangue jorra aos borbotões na tela. Você se lembra de Cenas de um Casamento, de Ingmar Bergman? Era refresco, perto de Angústia. Talvez todo esse sofrimento moral e físico seja muito europeu, coisa de Velho Mundo, carregada de culpa. Mas o aplauso, quando veio, só pode ter sido pelos atores. Andre Hennicke e Marie Raeumer fazem o casal. O mínimo que se pode dizer é que a angústia e o desespero parecem genuínos. Você pode rejeitar o conceito do filme, mas sai da sala com alguns gestos, algumas falas, algumas entonações dos atores gravadas a ferro e fogo na consciência. Urso - Há um pouco de apreensão pelo que vai ocorrer amanhã, aqui, na Berlinale. Às 14 horas de Berlim, 11 horas no Brasil, o júri presidido pelo diretor canadense (de origem armênia) Atom Egoyam, anuncia os vencedores do 53.º festival. E o Urso de Ouro vai para... Se o júri fizer a coisa certa vai para As Horas, de Stephen Daldry, em torno do qual se criou uma rara unanimidade. É o filme mais estrelado no quadro de cotações que sai diariamente na revista Screen. Herói, de Zhang Yimou, também seria uma bela opção de prêmio para o júri e Goodbye Lenin, de Wolfgang Becker, o melhor dos concorrentes alemães, é sempre uma reserva, moral e artística, que poderá agradar à crítica e aos donos da casa. Mas Egoyan é um pós-moderno e o risco é que termine induzindo o júri, do qual participam a atriz Anna Galiena e a diretora Kathryn Bigelow, a votar em Adaptation, de Spike Jonze. É o falso bom filme da Berlinale de 2003, como você poderá verificar em seguidinha, quando o filme estrear no Brasil. Existem os franceses, mas o realismo cru de Son Frère, de Patrice Chéreau, deve ser estranho a Egoyan como a paisagem da Lua é para qualquer um de nós. Um eventual prêmio para Claude Chabrol premiaria menos as qualidades de La Fleur du Mal do que a carreira do diretor, um dos mais importantes revelados pela nouvelle vague, no fim dos anos 1950. Tais são as apostas aqui em Berlim. O festival que chega ao fim fez, não apenas na seleção dos concorrentes, mas também dos filmes que integraram as mostras Panorama e Fórum, uma clara opção pelo social e pelo político. Quem viu todos os filmes aqui em Berlim assistiu a uma dissecação e pode até formar um diagnóstico para os graves problemas contemporâneos. Egoísmo, consumismo, desigualdade social, corrupção e violência nos países ricos. Exclusão social, perseguições políticas, mais corrupção e violência, a busca de paraísos impossíveis, em fronteiras difíceis de cruzar, nos países pobres. O mundo vai mal, foi o diagnóstico aqui em Berlim. Farda - Nesse quadro de degradação moral e até física, dos indivíduos como das nações neste mundo neoliberal e globalizado, um dos filmes mais inesperados veio dos EUA. É o documentário de Oliver Stone intitulado Comandante. Qual é o único chefe de Estado que ainda veste farda, no mundo atual? Fidel Castro, claro. Stone é um diretor que tem grande senso de oportunidade. Seus filmes podem e devem ser discutidos, mas não há dúvida de que ele ousa. Durante três dias, seguiu Fidel com sua câmera, em Havana. Colheu 30 horas de material. Falam sobre tudo: revolução, geopolítica, Che, Kennedy, Nixon, Kruchev e Gorbachev. Stone faz as piadas sobre George W. Bush que Spike Lee, no fundo, não teve coragem de fazer em The 25th Hour. Falam de Viagra, de amor. Stone consegue invadir a privacidade de Fidel, leva-o a falar de suas mulheres. Os críticos americanos estão em êxtase: "Nos ensinam que ele é um monstro e o que Stone propõe é o retrato humano de um homem encantador e carismático." Comandante ainda vai dar o que falar, ora se vai.

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