Filho de Tim Lopes conduz documentário sobre o pai

Bruno Quintella mostra lado profissional e pessoal do jornalista

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Entre as tantas reflexões que provoca Tim Lopes - Histórias de Arcanjo, documentário roteirizado por Bruno Quintella, filho do jornalista, e dirigido por Guilherme Azevedo, uma delas é a constatação de que, de fato, o bom repórter, como diz o ditado, é o que rasga a pauta, que vai além do roteiro previsto e busca sempre mais nas entrelinhas de uma notícia.

Representante do jornalismo que investiga não só crimes, mas sim o caráter social dos fatos, Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, não escreveu ou reportou somente sobre os poderosos, mas também foi cronista da alma do brasileiro. Dos anônimos que enchem as ruas no carnaval aos maratonistas, dos dependentes químicos aos operadores do Metrô, operários e prostitutas. 

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Mais que relatar com olhar frio, Lopes se transmutava em um de seus próprios personagens e se infiltrava no cotidiano de quem retratava. E o fazia com o tempo que a reportagem pedia. Chegava a passar semanas vivendo entre moradores de rua para ter uma boa história. 

“O jornalismo do meu pai se baseava em pessoas, no valor humano delas, ele sentia na pele o que elas viviam. Em tempos em que o jornalismo ganha tons tão caretas, não ousa, vive preso demais a dados, notas oficiais, à burocracia da notícia, pessoas como ele fazem a diferença”, comenta Bruno Quintella, que também é jornalista da TV Globo desde 2004, ano em que conheceu o diretor Guilherme Azevedo nos corredores da empresa. 

Foi de Azevedo, que foi parceiro de Tim Lopes em várias reportagens, a ideia de fazer um documentário sobre o jornalista morto em junho de 2002, quando apurava fatos para uma reportagem sobre abusos sexuais em bailes funks de uma favela carioca. Mas, ao ouvir o convite, dois anos após a morte violenta e traumática do pai, Bruno, então com 22 anos, não estava pronto. 

Cinco anos se passaram até que ele se sentisse preparado para fazer sua maratona pelos caminhos que o pai percorreu. Do local de sua execução, na Pedra do Sapo, no Complexo do Alemão, até o Rio Grande do Sul, onde Lopes nasceu, Bruno trava uma batalha pessoal e profissional. Como se deixar retratar em momento tão intimamente complexo como o de conhecer o local onde o pai foi brutalmente assassinado? 

Como contar em pouco mais de uma hora de filme a trajetória de vida de alguém que, além de um dos grandes jornalistas brasileiros, é também seu pai? “Era este meu grande desafio. Não queria contar só a história do Tim jornalista, mas de meu pai, que eu não pude velar e nem enterrar”, diz Bruno, que é, não por acaso, além de roteirista, condutor do documentário, que levou o prêmio de melhor documentário do Festival do Rio em 2013. 

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É por meio da experiência de Bruno, do que ele vê e sente ao visitar locais pelos quais o pai passou e conversar com amigos, colegas, gente que ele retratou e sua própria família, que o espectador compreende mais uma vez o quanto é imprescindível o jornalismo em que o repórter é um enviado especial à vida e não um burocrata da informação. 

Durante o processo de pesquisa de imagens de arquivo que compõem o documentário, Bruno descobriu reportagens que, sempre em primeira pessoa, driblavam até mesmo a censura durante a ditadura. “Quis mostrar não só o Tim Lopes que morreu famoso na TV, mas sim o Tim que viveu no jornalismo impresso, cujas matérias representavam a pluralidade, que não era preso a notas oficiais, mas ao que via nas ruas”, declara Bruno. “Vivemos uma época em que a imprensa anda tão monotemática. E ele enxergava as coisas do ponto de vista de quem vivia os fatos. Em pleno governo Geisel, ele retratava fatos com uma pluralidade, falava de questões trabalhistas, operários, entre outros. Profissionais assim fazem falta”, completa.

É esta falta que Bruno e Azevedo nos fazem também sentir. Lopes, o jornalista, faz falta. Tim, o pai de Bruno, também faz. Mas Tim Lopes, o filme, deixa a certeza de que o bom jornalismo é, mais do que nunca, insubstituível. 

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