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Festival suíço vê filmes do Irã e da Índia

Vamos Todos Bem, sobre o drama cotidiano do Irã e o indiano O Levante, foram os destaques do dia em Locarno

Por Agencia Estado
Atualização:

Os destaques do Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, foram o filme iraniano Vamos Todos Bem, sobre o drama cotidiano vivido em seu país e o indiano O Levante, em que o diretor de Boolywood Ketan Mehta transpõe para a tela a história de Mangal Pandey, líder da primeira revolta indiana contra a dominação da Companhia Inglesa das Índias. O filme iraniano, Vamos Todos Bem (Ma Hameh Khoubim) primeiro exibido na competição internacional do Festival de Locarno, engloba um outro filme - é o filme amador feito pela família para dar notícias ao filho Jamshid, ausente há seis anos. Essa iniciativa familiar põe em destaque as relações entre seus membros, embora o filme a ser enviado nada tenha a ver com a realidade, pois todos os familiares se esforçam para dar uma imagem de que ?tudo vai bem?. Nada a ver com o outro filme rodado pelo irmão mais novo, Omid, a pretexto de estar preparando a filmadora, e no qual ficam registrados as tensões e atritos familiares. É o primeiro longa-metragem do iraniano Bizhan Mirbaqeri, que, à margem do filme, na entrevista que nos deu falou dos efeitos benéficos do Irã ter se fechado ao cinema americano, do absurdo do governo Bush ter negado a entrada nos EUA ao cineasta Abbas Kiarostami, para participar de um festival novaiorquino e da atual resistência iraniana às pressões americanas. O destaque mundial ao cinema iraniano começou aqui em Locarno, com Abbas Kiarostami, mas desde essa época se falava na dificuldade de se filmar homens e mulheres, donde filhos com crianças. Como está a censura no cinema iraniano com o novo presidente fundamentalista? Bizhan Mirbaqeri - Um elemento fundamental no cinema iraniano é o de separar de uma maneira bem clara o cinema da política. O cinema trata do que as pessoas sentem bem forte, perto delas, que se inspira da necessidade das pessoas e procura encontrar resposta junto a essas pessoas. Este filme foi produzido antes das últimas eleições iranianas, nada tem a ver, portanto, com a situação atual. Mas existem diversas facções políticas, cada uma delas com sua presença, sua existência junto ao povo, por isso não acredito que o novo presidente possa ficar indiferente às exigências e necessidades reais das pessoas. De qualquer maneira, é o povo que exprime e busca encontrar resposta aos seus próprios anseios e exigências. Qual o resultado obtido pelo cinema iraniano em termos de produção nacional com a política de se fechar à invasão do cinema americano que vem se impondo no cenário mundial? Estamos longe de imaginar que o cinema iraniano possa ter um sucesso comercial ao nível mundial, porém existe um mercado que está se abrindo e que nos leva a abrir fronteiras. Produzimos anualmente 120 filmes por ano. Nunca tivemos problemas de financiamento com a produção desses filmes nestes últimos 25 anos. Em todos os festivais há filmes iranianos de autor, ora dos 120 filmes anuais, 80% são filmes de entretenimento ou de propaganda religiosa, como vê isso? O mercado iraniano de filmes se concentra no mercado regional, cujos países têm culturas parecidas. Mas é verdade que os filmes iranianos vistos no estrangeiro são os filmes de autor. Como o cinema iraniano sente os efeitos da guerra contra o Iraque? Por enquanto, no momento não há conseqüências sobre a produção iraniana de filmes, porém, pode acontecer que, dentro de alguns anos, as produções cinematográficas possam se inspirar dos aspectos humanos e humanitários da guerra. É alguma coisa que os próprios iranianos, há alguns anos, na própria carne. Esse filme passará no Iraque? Sim, dentro de três meses. Há algum tempo Abbas Kiarostami foi proibido de entrar nos EUA, como vê a atual hegemonia mundial americana e as ameaças ao Irã. Vou responder de um outro ponto de vista. As conclusões de meu filme são de que apesar de todas as dificuldades da vida cotidiana, os personagens continuam a viver sua vida de antes. Ora, se olharmos essa família de uma maneira mais ampla, pode-se imaginar a existência de um mundo longe das ameaças e do medo. As autoridades americanas impediram que Abbas Kiarostami colocasse os pés nos EUA, mesmo se tratando de um grande cineasta. Ele tinha a solidariedade de todo povo iraniano. É incompreensível que um autor, um artista, seja bloqueado de entrar num país, pois não se trata de um homem político. Isso impede uma melhor comunicação entre os autores e artistas e o povo. Filme indiano glorifica herói da independência Um superespetáculo épico - O Levante (The Rising - Ballad of Mangal Pandey - produzido pela Bollywood indiana (a Índia, país que mais produz filmes no mundo, tem sua versão própria de Hollywood) glorifica o papel de um precursores da independência e da libertação da Índia do controle da Companhia Inglesa das Índias e do colonialismo indiano. Durante 15 anos, o cineasta indiano Ketan Mehta queria transpor para a tela a história de Mangal Pandey, líder da primeira revolta indiana contra a dominação da Companhia Inglesa das Índias. Essa empresa, para exercer seu comércio tinha seu próprio exército que agia com truculência e impunidade com a cumplicidade do governo inglês. A revolta de Mangal, massacrada pelos ingleses, foi o estopim das revoltas que se sucederam até a Índia conquistar sua independência. Do lado ocidental, por influência inglesa, só se dá evidência à participação pacifista de Gandhi nessa luta, mas Mangal Pandey, enforcado como exemplo tem o mesmo peso de nosso Tiradentes na história indiana. Ketan Mehta, cujo primeiro filme foi contra a sociedade indiana de castas sociais, transformou o episódio histórico numa grande produção, onde não faltam a música e danças folclóricas tradicionais indianas, numa mistura bem sucedida de cores, música e heroísmo, aplaudida pelos expectadores da Piazza Grande. A espera dos quinze anos foi benéfica - o poder econômico das multinacionais atuais lembra o da Companhia das Índias que dispunha mesmo de soldados da Coroa inglesa. Melhor alegoria não podia haver, à espera de novos heróis contra as forças que acabam com as culturas nacionais, na conquista de novos mercados. O herói indiano é vivido por um ícone nacional Aamir Khan, cujo porte e olhar, revivem o líder da revolta contra o poderio inglês. Com o apoio musical a luta pela independência engendra um clima de euforia que arrebata dos expectadores. ?Pouca coisa se sabe realmente de Mangal Pandey, diz o diretor do filme, pois os ingleses se encarregaram de destruir o que restava. Procurei por tudo, e depois de muita pesquisa me restaram apenas duas páginas?. Diante da falta de elementos históricos, Ketan Mehta construiu um herói corajoso e intrépido. As filmagens levaram 18 meses, o filme foi dos mais caros e mobilizou milhares de figurantes.

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