Festival do Rio BR começa com Terence Davies

Chuvas e atrasos marcaram a abertura do evento, além da exibição de A Essência da Paixão (The House of Myrth), com direção de Terence Davies. É uma adaptação do romance de Edith Wharton, sobre a sociedade nova-iorquina do começo do século

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Por Agencia Estado
Atualização:

Black-tie, tapete vermelho - os organizadores do 2.º Festival do Rio BR previram tudo para transformar a festa de inauguração do evento numa noite de gala, ontem. Só não contavam com a chuva, que transformou o trânsito ao redor da Cinelândia num caos. Longos não combinam com guarda-chuvas. A cerimônia de abertura atrasou por mais de uma hora. Seguiram-se os discursos, do presidente da BR Distribuidora ao prefeito Luiz Paulo Conde. Mais meia hora. Finalmente, o filme de abertura. A Essência da Paixão (The House of Myrth) tem direção de Terence Davies. É uma adaptação do romance de Edith Wharton, de quem Martin Scorsese já adaptou A Idade da Inocência. As duas histórias, senão exatamente os dois filmes, têm tudo a ver. Edith fala sobre a sociedade nova-iorquina do começo do século. O drama de Lily, a protagonista de A Essência da Paixão, é ser pobre. Depende, como diria Blanche Dubois, da caridade de estranhos. Sua possibilidade de vencer está ligada ao casamento. Lily precisa arranjar um marido rico. Enreda-se de todas as formas, fica, digamos, malfalada, o que afasta dela todo os partidos. Inicia-se o processo de destruição, um caminho sem volta. Gillian Anderson, da série Arquivo X, faz a protagonista. Os produtores chegaram a sugerir Gwyneth Paltrow. Na piscina do Copacabana Palace, onde está hospedado, Davies contou à reportagem, hoje de manhã, que fez extensa pesquisa iconográfica sobre a época focalizada. Descobriu certas características físicas das mulheres daquele tempo. Eram baixas, com rostos marcados. Descartou de cara Gwyneth ("muito moderna") e começou a pensar em algumas possíveis intérpretes. Fixou-se em Gillian. A atriz estava, por acaso, em Londres. Davies tentou marcar um encontro. A agente não foi muito receptiva. Disse a Gillian que um diretor inglês modesto a queria no seu filme. Gillian perguntou quem era. Quando a agente disse que se tratava de Davies, vibrou. "Adoro os filmes dele." Submeteu-se ao que Davies exigiu - um teste. Saiu-se muito bem. Gillian é surpreendentemente boa - maravilhosa - em "A Essência da Paixão". O filme está estreando em Londres por estes dias, nos EUA estréia em dezembro, a tempo de habilitar Gillian para o Oscar. Davies duvida que seja indicada - "Não consigo me imaginar, ou alguém que trabalhe comigo, no Oscar." O filme é muito bom. Duro, implacável. Davies considera a adaptação de Scorsese uma obra-prima. A dele não fica atrás, embora o tom do filme seja mais carregado, mais difícil. Ele conta o que o atraiu no livro de Edith, que leu há 12 anos. "Foi a modernidade; a sociedade daquela época acreditava em imagem e dinheiro; continua sendo assim." Há cinco anos, depois de ver um especial de TV sobre a correspondência entre Edith e outro escritor que lhe era contemporâneo, Henry James, releu o livro e decidiu adaptá-lo. Diz que, por trás da aparência de civilidade e sofisticação, os socialites nova-iorquinos da época eram selvagens (o que Scorsese também mostrou). Lily degrada-se no filme, destrói-se, mas ela também se redime no desfecho. "Queria que o espectador experimentasse um sentimento de compaixão por ela - sem compaixão, de Sófocles a Edith Wharton, passando por Shakespeare não há grande arte", diz o diretor. Esse é seu filme mais caro - custou cerca de US$ 8 milhões. Parece ter custado muito mais. Há muitos figurantes, cenários e figurinos são suntuosos. Isso é resultado de muito trabalho. Davies planejou o look com o fotógrafo e o diretor de arte, escolheu os ângulos de câmera, pensou em tudo para reviver o fausto de uma época. "Sem isso não haveria o filme." Quando o repórter chega à pérgola do Copacabana Palace, local da entrevista, ele lê um grosso volume. É The Fatal Shore, de Robert Hughes, sobre o processo de colonização da Austrália. "É muito interessante", diz. Concorda que o filme anterior, The Neon Bible, com Gena Rowlands, não era bom. "Foi um filme de transição, distanciava-se dos que fiz antes (refere-se a Vozes Distantes e O Fim de um Longo Dia) e não conseguia consolidar-se como proposta nova, porque ainda permanecia preso a um estilo de filmar", avalia. Mas acha que foi um fracasso honroso. "Sem The Neon Bible, não haveria A Essência da Paixão." Diz que não tem condições de avaliar o cinema inglês atual. "Tenho ido pouco ao cinema, prefiro poesia." Os favoritos - Eliot e os sonetos de Shakespeare. Considera-se um dinossauro no cinema inglês. E tem uma explicação curiosa para o fato de diretores assumidamente gays dirigirem melhor as mulheres. "Não há interesse sexual, elas viram objeto de adoração estética." Gillian Anderson que o diga.

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