Festival de Marrakesh termina valorizando a mulher no cinema

Rússia ganhou prêmio de melhor filme com 'Wild Field', de Mikhail Kalatozishvili; Melissa Leo é a melhor atriz

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Por Flavia Guerra
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Um prêmio de melhor filme para a Rússia, por Wild Field, de Mikhail Kalatozishvili, melhor atriz para a Americana Melissa Leo, por Frozen River, de Courtney Hunt. Sem contar o Prêmio do Júri para a China, por The Shaft, de Zhang Chi, e o prêmio de melhor ator para Eeron Aho, por Tears of April, de Aku Louhimes. Exceto o fato de que todos estes nomes são, no mínimo, desconhecidos do público brasileiro, que relevância um festival de cinema no Marrocos deixa para a audiência do outro lado do Atlântico? O suficiente para se ter a certeza de que a busca de um cinema plural, independente e que fuja ao fast food Hollywoodiano resiste também em circuitos inimagináveis para quem está em geral acostumado a ver suas salas de rua serem vencidas por complexos de shopping centers. Além de buscar se inserir e encontrar sua personalidade em um circuito mundial de festivais que beira os cinco mil eventos por ano, o Festival Internacional de Cinema de Marrakesh busca também mostrar para o mundo que o Marrocos não é só árabe, mas também se orgulha de suas tradições berberes (cerca de 30% da população descende do povo que habitava o que hoje é o território marroquino antes da invasão romana, bizantina e árabe). Busca também ser uma porta de entrada para o mundo islâmico, mas sem perder a tolerância. Uma das provas é a total liberdade de escolha da curadoria e dos organizadores do festival. Com olhar mezzo marroquino/mezzo europeu, já que é organizado pelo grupo de marketing e comunicação francês Le Public Système, o festival exibiu sem pudores em sua seleção oficial filmes que tratavam abertamente de homes sexualismo (o italiano O Primeiro dia do Inverno), imigração ilegal (Frozen River), terrorismo (Você se lembra de Adil?), violência contra a mulher (Kandisha), paternidade (Prince of Broadway), entre outros. A 'Hollywood da África' Você pode nunca ter ouvido falar de Ouarzazate, mas certamente já viu as paisagens da cidade situada ao pé da Cordilheira do Atlas, a sudoeste quilômetros de Marrakesh, dezenas de vezes na tela grande. Foi no estúdios da CLA que clássicos como Cleópatra, Lawrence da Arábia, Ben Hur, foram rodados. E foi assim que a pequena vila passou a ser a Hollywood da África. Mais recentemente, Ouarzazate foi cenário de Babel, Kingdom of Heaven (de Ridley Scott), A Múmia, Rede de Intrigas, Falcão Negro em Perigo, entre tantos outros. Para o início de 2009, mais três grandes produções de Hollywood já estão previstas. "Por hora é ultra secreto, mas posso adiantar que vem coisa grande por aí. Aqui a crise não chegou. E espero que não chegue. Nossos estúdios estão em plena fase de expansão", contou o orgulhoso diretor da 'film comission' de Ouarzazate. Segundo o Centro Cinematográfico Marroquino, somente no primeiro semestre deste ano 17 filmes internacionais foram rodados no Marrocos. "A renda disso vale US$ 111 milhões. Se tudo continuar assim, mesmo com a crise econômica mundial, devemos nos afirmar de vez como maior pólo de cinema da África e do Oriente Médio. Sem contar que a produção de nossos filmes é, em números, a mesma que a de países como Bélgica e Suíça", diz Sail. O que mais falta para um país que busca sua identidade cinematográfica se inserir definitivamente no circuito mundial de cinema? "Faltam mais salas para conseguirmos exibir nossos filmes. A competição com o cinema americano e com a TV é cruel. E faltam também profissionais locais que contem nossas histórias", responde Mohamed Zineddaine. Diretor do ótimo e surpreendente Você se Lembra de Adil?, Zineddaine sabe do que está falando. A tarefa dos cineastas marroquinos hoje é tirar o país da lista de 'grandes locações'. "Servir de locação para filmes estrangeiros é ótimo. Foi isso que abriu nossas portas e mentes para o cinema. E é esta atividade que tem movimentado muito o mercado. Afinal, são profissionais locais que trabalham nos filmes. Mas precisamos agora formar roteiristas e diretores, que escrevam bem e contem bem nosso próprio cinema", completa o diretor. Mais mulheres, já! A preocupação dos organizadores e do Rei Mohamed VI (sim, o Marrocos é um reino e o Rei, ao lado do príncipe Moulay Rachid, é o principal patrocinador e incentivador do festival) em mostrar que o Marrocos é um país onde as mulheres têm vez chega a ser insistente. Começa com uma grande homenagem a Sigourney Weaver, que, à beira de completar 60 anos, será sempre a Tenente Ripley de Alien, e termina com uma homenagem à chinesa Michelle Yeoh, sinônimo de mulher forte e delicada ao mesmo tempo. Para rechear o pacote 'cor-de-rosa shock', um grande panorama dedicado às mulheres que fazem cinema no Marrocos. E Kandisha, o único filme marroquino em competição. Ainda que deixe um gosto de 'cinema marroquino com toques de Hollywood', Kandisha é prova da qualidade técnica do cinema local. Com orçamento geral de 5 milhões de euros, o longa se inspira numa antiga lenda para falar da condição submissa e dos maus-tratos contra as mulheres islâmicas. A personagem principal, uma advogada, famosa por defender mulheres inocentes em casos considerados perdidos, tem de provar que sua cliente (que é guiada pelo espírito da justiceira Kandisha, uma lenda de tempois imemoriais) não matou seu marido violento. Quem matou? Kandisha. "Muita gente acredita de verdade no mito. E , no fim, o espírito de justiça dela está presente em cada um de nós. As mulheres, sejam marroquinas ou não, merecem igualdade de direitos. Não só quando o assunto é violência, mas oportunidade de trabalho. Por isso, mais mulheres no cinema já!", comentou Jerome Cohen-Olivar, diretor de Kandisha. Sigourney, que diz que os papéis para ela andam diminuindo por conta da idade, finaliza: "Depois de ver mulheres como Sarah Pallin e Hillary Clinton ganharem tanto espaço na política, de ver que as mulheres islâmicas estão ganhando cada vez mais espaço, só posso dizer: "Vamos contar mais histórias de grandes mulheres. Tenho certeza que não só nos EUA, ou no Marrocos, mas também no Brasil todos tenhamos histórias incríveis de mulheres para contar." Fotos: Flavia Guerra

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