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Festival de Brasília mostra qualidade com baixo orçamento

A 35.ª edição do Festival Brasília de Cinema Brasileiro revela uma tendência: a do filme de baixo orçamento, que está se impondo na produção

Por Agencia Estado
Atualização:

Premiação à parte, fica a constatação de que Brasília, nesta sua 35.ª edição, conseguiu reunir uma interessante amostragem do que está se fazendo no cinema brasileiro. Revela uma tendência: a do filme de baixo orçamento, que está se impondo na produção. Quatro longas-metragens pertencem a essa categoria: Amarelo Manga, Cama de Gato, Dois Perdidos numa Noite Suja e A Festa de Margarette. São filmes feitos com orçamentos apertados, mas que, uns mais, outros menos, conseguem passar seus recados. Importa o que está na tela, sua força e originalidade, não os grandes orçamentos, as locações luxuosas, os atores globais. A vitória desse cinema ficou clara em Brasília. Parece a mais adequada para o atual momento. Em segundo lugar, deu-se a vitória de um cinema de urgência, antenado na questão social brasileira, mas livre de um discurso ideológico pesado, partidário ou nostálgico de fórmulas políticas dominantes no cinema dos anos 60. O exemplo maior é Amarelo Manga, de Cláudio Assis, feito por alguém que realmente vivencia os problemas de que trata. Mas o faz de uma maneira pop, sem queixas, sem denúncias estereotipadas. Instala-se na carência e dela faz um elemento de sua criação e um dado de sua luta. Como disse o diretor Luiz Fernando Carvalho assiste-se ao nascimento de uma nova dramaturgia. Talvez de uma nova forma de ver a política e a função de um cinema engajado na análise dos problemas nacionais. Mais uma vez observa-se que está em curso uma mudança de linguagem nos filmes nacionais e não faz mais sentido ater-se a fórmulas canônicas. Quem não entender a dinâmica de filmes como Baile Perfumado, Um Céu de Estrelas, O Invasor, Cidade de Deus e agora Amarelo Manga está condenado a repetir o passado. O novo cinema nacional é dinâmico, criativo, tem a cara do povo brasileiro - e se orgulha disso. Se a amostragem dos longas foi estimulante, a dos curtas pareceu apenas mediana. Vai longe o tempo em que o curta fazia as vezes de reserva de criatividade da cinematografia em crise. Tomando como ponto de partida a seleção de Brasília, agora é o curta que parece perdido. Por exemplo, o vencedor, No Bar, é exemplo de filme-piada, que investe no politicamente incorreto e como toda anedota, só funciona bem na primeira vez. Claro, nem todos são assim. Filmes como Plano-Seqüência e A Janela Aberta mantêm vivo o espírito de experimentação. Mas tanto em um como em outro, sente-se alguma carência, como se a busca de uma linguagem diferente, por si só, fosse incapaz de garantir criatividade. Em A Janela Aberta, tem-se de novo uma tentativa de Philippe Barcinski, original, rigorosa, intelectual, mas incapaz de construir um universo denso para seus personagens. Morte, de José Roberto Torero, talvez não esteja à altura da expectativa que se cria a cada novo trabalho do seu diretor. O Encontro, de Marcos Jorge, com sua história de amor contada em idioma fictício (o cinemês), distancia-se por seu artificialismo. Já Dona Cristina Perdeu a Memória, de Ana Luíza Azevedo, ganhou a simpatia de público e crítica, com sua reflexão amorosa sobre a infância e a terceira idade. Ao contrário de outros curtas, neste o coração leva a melhor sobre a razão. Em sua 35.ª edição, Brasília reafirma-se como o mais importante festival do cinema brasileiro. Mantém um formato enxuto, com poucos filmes selecionados e bastante tempo para discussão e reflexão. Deve conservar esse caminho e evitar tentações, como aumentar o número de concorrentes ou ceder a pressões provincianas, sempre à espreita em um evento de âmbito nacional. Para conservar-se como festival de ponta deve fazer uma seleção rigorosa dos filmes e escolher júris que privilegiem a ousadia estética e temática. Sua vocação, desde que foi criado é ser a vitrine do novo. Não pode perder esse rumo. (*) O repórter viajou a convite da organização do festival

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