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Festival dá toda força ao documentário

Cannes mostra, entre outros filmes do gênero, Bowling for Columbine, em competição, e o último de Frederick Wiseman, que desta vez ficou a meio caminho da ficção

Por Agencia Estado
Atualização:

"É tudo verdade", diz Amir Labaki, diretor do Festival Internacional de Documentários de São Paulo, ao cruzar com o repórter na saída da sessão de The Kid Stays in the Picture. E é tudo verdade mesmo. Cannes 2002 está dando toda força ao documentário. O de Michael Moore, Bowling for Columbine, o primeiro a participar, em 46 anos, da competição, é um dos favoritos dos críticos. Mas há muitos outros. E há até grandes documentaristas, como Frederick Wiseman, que vieram a Cannes, este ano, para mostrar "outra coisa". Essa outra coisa a que Wiseman se refere é La Dernière Lettre, que ele fez com a atriz da comédie française, Catherine Samie.O diretor conta que se tornou conhecido como documentarista, mas não se sente obrigado a fazer sempre a mesma coisa. Quis fazer algo diferente. Encontrou o material que procurava num livro de Vassili Grossman, que descreve o massacre de judeus numa aldeia da Ucrânia, pelos alemães, durante a 2.ª Guerra. Ele ficou particularmente tocado pelo capítulo do livro em que uma mulher, sentindo a proximidade da morte, escreve uma carta ao filho - da qual não espera obter, nunca, a resposta. Wiseman já havia feito A Última Carta no teatro, em Boston. Foi, como ele define, uma montagem realista, com móveis, acessórios. No filme, que o diretor considera uma conseqüência do seu documentário de 1995 sobre a Comédie Française, é tudo muito estilizado. não existem outras imagens além da de Catherine num fundo branco, sobre o qual se projeta sua sombra. Ela fala e Wiseman muda o ângulo da câmera para colocar ênfase nesse ou naquele movimento da atriz. Não é um documentário, não é um filme tradicional. É algo no meio e é muito forte, pois Wiseman fala sobre a violência, tema que o obceca. No recente Domestic Violence, por exemplo, que passou no festival de documentários em São Paulo, ele falou sobre a violência no lar. Fala agora sobre a barbárie nazista por meio das reflexões dessa mulher que fala, basicamente, sobre o seu cotidiano na guerra. É também sobre a violência que Francesca Comencini fala em seu admirável documentário Carlo Giuliani, Ragazzo, sobre o jovem de 23 anos que morreu no confronto de manifestantes com a polícia, durante o G8, em Gênova. Durante uma hora, Francesca, filha do diretor Luigi Comencini, recorre às imagens que conseguiu - sobre o rapaz, sobre as manifestações em Gênova, sobre a cobertura da mídia. A tudo isso ela superpõe a voz da mãe de Carlo Giuliani, que fala com carinho sobre o filho, que todos chamavam de "pequeno". Ela tenta entender o que houve. É um belo filme. Francesca participa do grupo formado por Francesco Maselli e que produziu o documentário Um Outro Mundo É Possível, sobre (e contra) a globalização. Foi o lema do encontro mundial realizado em fevereiro, em Porto Alegre. The Kid Stays in the Picture é outro tipo de documentário. O garoto que permanece no filme é Robert Evans, produtor de algumas das obras de maior sucesso da história do cinema. Ele esteve por trás de O Bebê de Rosemary, de Love Story, de O Poderoso Chefão. Evans conheceu a glória e a decadência, vítima das drogas. Poderia ter morrido. Voltou ao topo. Escreveu uma autobiografia relatando sua experiência no mundo do cinema. Quando Brett Morgen e Nanette Burstein lhe propuseram a adaptação do livro, foi reticente. Convencido pela dupla, abriu para eles seus arquivos pessoais. No auge do sucesso, ele era seguido 24 horas por uma equipe que gravava tudo. Você pode imaginar a riqueza do material que Morgen e Nanette tiveram à disposição. O filme é crítico, bem-humorado, delicioso. Muitos documentários e uma senhora documentarista. Agnès Varda está aqui em Cannes. "Venho todos os anos", ela diz ao repórter. Ela conta que a carreira de Les Glaneurs et la Glaneuse começou aqui mesmo, há dois anos. O filme foi lançado em 15 países, passou em mais de 70 festivais ao redor do mundo, incluindo o de documentários de São Paulo. Agnès, que já fez ficção -Cléo das 5 às 7, As Duas Faces da Felicidade - explica por que aderiu ao documentário. "Nesse filme falo sobre desemprego, pobreza, pessoas diferentes e que não são aceitas. Falo sobre isso e acrescento uma reflexão sobre mim mesma, meu envelhecimento." E na forma de diário íntimo, com simplicidade e liberdade. Ela está segura de que foi a liberdade do filme que tocou o público. Só na França, foram 125 mil espectadores. Quer continuar fazendo documentários autorais, passando o mesmo humor que imprimiu à gravidade dos temas de Les Glaneurs et la Glaneuse. Confessa que, depois desse filme, teve e ainda tem dificuldades para se lançar a outro projeto. Preferiu voltar, dois anos depois, aos personagens e lugares que filmou em 2000. Em princípio, esse novo documentário de 65 minutos será oferecido como bônus no DVD de Les Glaneurs et la Glaneuse, mas Agnès não exclui a possibilidade de uma estréia nos cinemas.

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