Festival Anima Mundi chega à 23ª edição com animações para adultos

Evento será realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro

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Por Pedro Antunes
Atualização:
Rocks in my Pockets 

A cineasta e animadora Signe Baumane foi internada em um hospital psiquiátrico, quando ainda morava na Letônia. Lá, ora era diagnosticada como esquizofrênica, ora como bipolar. “Nunca souberam direito”, conta ela, há mais de duas décadas moradora de Nova York. Diferentemente dos médicos que tentaram tratá-la, Signe hoje sabe quem é e encontrou sua própria fórmula para se agarrar à sanidade. “E, ainda assim, aqui estou eu. Inteira e viva.” Depois de criar 15 curta-metragens em animação, ela se arrisca pela primeira vez com um longa. E o tema estava lá, dentro da cabeça dela, antes mesmo de ela saber que poderia usar momentos sombrios para criar uma mensagem de esperança. 

O resultado, Rocks In My Pockets, que estará na programação do festival de animação Anima Mundi, realizado no Rio de Janeiro (de 10 e 15 de julho) e em São Paulo (de 17 a 22 julho), é um relato da luta dela contra a depressão – e de outras três mulheres da família dela. Signe propõe uma viagem pouco ortodoxa para dentro da cabeça humana, permitindo-se exageros alucinógenos aqui e ali, e pontua tudo com humor e ironia, de forma a aliviar o peso da temática. 

O Pequeno Príncipe 

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O longa de Signe não está entre os mais comerciais da programação extensa da 23ª edição do Anima Mundi – ele integra o Programa Especial Galeria, dedicado às produções mais experimentais. Mesmo como uma síntese do antipop da animação, o longa é destaque pela viagem ao subconsciente, numa versão “para adultos” do já razoavelmente maduro Divertida Mente, animação da Pixar ainda em cartaz pelo circuito brasileiro. “O filme não é triste”, completa Signe. “É uma mensagem de esperança, por fim.”

Adultos e crianças. Trata-se de uma animação não voltada ao público infantil, capaz de atingir os maiores em diferentes camadas e percepções. É o exemplo da função do Anima Mundi, festival criado e dirigido por Aída Queiroz, Cesar Coelho, Lea Zagury e Marcos Magalhães em 1993: animação não é somente para crianças. “Ainda há gente que encara esse tipo de longa como algo para um público infantil. Não é assim”, diz Coelho, um dos diretores do festival. “Ainda assim, o circuito comercial ainda tem essa impressão de que as animações são apenas para crianças.” 

A interpretação errônea da função da animação não é exclusividade do Brasil. O longa em stop motion espanhol Pos Eso estreou no país natal trabalhado pelo departamento de marketing e comercial como uma produção infantil. A produção de Samuel Ortí Martí tem sangue, ironia e sessões de exorcismo. Tudo feito com bonecos de massa de modelar, mas longe de ser palatável para a gurizada. O resultado, um caos total: pais irritados, crianças atordoadas e um diretor extremamente furioso. 

É claro, contudo, que o público infantil tem espaço entre as animações – e no Anima Mundi. Grande destaque pop desta edição é O Pequeno Príncipe, longa que adapta a obra de Antoine de Saint-Exupéry (e chega ao circuito nacional em 20 de agosto), e tem dubladores como Jeff Bridges, Rachel McAdams e James Franco. 

Tanto O Pequeno Príncipe, dirigido por Mark Osborne, quanto Rocks In My Pockets, conversam com públicos diferentes, mas partilham explosão criativa que somente a animação oferece: um príncipe vive em um asteroide ou a presença física da depressão na vida de quatro mulheres. 

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‘Stop motion tem um apelo que não vai embora’, diz animador

Durante três meses, Will Becher não tem outra lembrança do que aqueles dias e noites dentro de uma sala de filmagem com um hospital em miniatura no centro. Ali, filmava um dos núcleos de Shaun, O Carneiro, longa que será exibido nesta edição do Anima Mundi, festival dedicado ao gênero realizado entre os dias no Rio de Janeiro (de 10 e 15 de julho) e em São Paulo (de 17 a 22 julho) – e entra em circuito comercial a partir de 3 de setembro. 

Shaun, o Cordeiro 

O longa, produzido pelo estúdio britânico Aardman Animations, é baseado no personagem que já está na série de televisão homônima. O personagem título deriva de outro longa de animação chamado Wallace e Gromit (2005).  Becher, que virá ao Brasil para apresentar detalhes da criação em stop motion, é o animador chefe da produção e se derrete ao falar do sentimento criado pela técnica, capaz de capturar o gosto até de cineastas consagrados, como Tim Burton (A Noiva Cadáver e Frankenweenie) e Wes Anderson (O Fantástico Sr. Raposo). 

“O stop motion tem um apelo que não vai embora. Acho que é parte do motivo pelo qual as pessoas ainda assistem a filmes com essa técnica. Há uma nostalgia. Mesmo que dê muito trabalho para ser feito, consuma tanto tempo, é sempre mágico”, diz Becher. O animador planeja dar detalhes das filmagens e responderá à perguntas do público. “As pessoas sempre querem saber quando tempo demora para filmar”, conta. “São três segundos por dia, aliás, já adianto”, completa, entre risos. 

Animação no Brasil cresce com o Anima Mundi

“Éramos apenas quatro animadores com a ideia de um festival”, conta Cesar Coelho, um dos criadores e diretores do Anima Mundi. “Em 1993, na primeira edição, fizemos uma retrospectiva de animações realizadas no Brasil até aquele ano. Eram umas 30. Já na segunda edição, dependemos de filmes inéditos.” 

Nautilus 

De certa forma, a presença do Anima Mundi colaborou para o crescimento do mercado no País. O único, aliás, em 2014. Gêneros documentário e ficção entregaram 36 e 74 longas, respectivamente, números inferiores ao apresentado no ano anterior. Único cenário a mostrar um crescimento foi justamente o de animações: de duas em 2013 para quatro no último ano – maior quantidade nos últimos 20 anos, segundo a Ancine. 

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Os números são minúsculos, mas apontam para um cenário positivo. “Normalmente, temos uma média de 300 inscrições por ano”, conta Coelho. “Neste ano, diminuiu, mas não é algo ruim. É porque grande parte dos animadores estão empregados.”

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