Confirmando o favoritismo já destacado pelo Estado, Fausto, a adaptação do russo Alexander Sokurov do clássico de Goethe, venceu o Leão de Ouro do 68º Festival de Veneza. O filme usa de toda a fantasia para transpor uma obra literária para a linguagem do cinema, criando um ambiente sufocante e envolvente, no qual o personagem não mede esforços para saciar sua sede de saber - e de poder. Sokurov, com este filme, completa sua tetralogia dedicada às figuras do poder: Moloch (Hitler), Taurus (Lenin) e O Sol (Hirohito) foram os anteriores. Avinculação de Fausto com os políticos atuais não é gratuita e Sokurov a enfatizou mais de uma vez durante sua permanência em Veneza. A ânsia de poder os leva a firmar pactos pouco recomendáveis, disse o diretor.
O Leão de Prata para melhor direção ficou com Cai Shangjun por Ren Shan Ren Hai, que chegu ao festival na undécima hora a título de filme-surpresa. A história é a de uma vingança, com o personagem perseguindo o assassino do seu irmão de maneira implacável. Mostra um retrato não menos áspero da realidade chinesa e, de fato, é muito bem dirigido.
O Prêmio Especial do Júri foi para Terraferma, do italiano Emanuele Crialese, único troféu para os filmes da casa, na mostra principal. Sabia-se que teriam de arranjar um prêmio de porte para um filme italiano, pois senão o desgaste da atual direção seria muito grande. Por sorte, Terraferma, um emocionante reconhecimento de que os italianos não tratam muito bem os imigrantes, é obra de qualidade e emoção. Crialese, em seu terceiro longa (os outros dois são Respiro e Novo Mundo, ambos lançados no Brasil), é diretor em franco progresso.
A Coppa Volpi de melhor ator ficou para Michael Fassbender, o queridinho das mulheres do festival, por Shame, do britânico Steve McQueen. No filme, Fassbender interpreta Brandon, um personagem viciado em sexo. Ao mesmo tempo, a história é crítica com um determinado modo de vida, yuppie e consumista, típico das grandes cidades - o longa é ambientado em Nova York.
A Coppa Volpi de melhor atriz foi para Deanie Yip por Tao Jie (Uma Vida Simples), da chinesa Ann Hui, amplamente favorita. É uma história bonita, sobre uma mulher que serviu fielmente uma família de Hong Kong durante 60 anos até adoecer e ser internada numa casa para idosos. Um dos filhos da família a apoia até o fim, o que torna esse trabalho também uma homenagem ao sentimento da gratidão.
O Prêmio Marcelo Mastroianni para ator ou atriz emergente foi dividido entre Shota Sometani e Fumi Nikaidô, pelo trabalho em Himizu, do Japão. O filme é irritante, muito em função da atuação gritada da dupla vencedora. Mas também há que se destacar que é a primeira obra ficcional japonesa após o terremoto, seguido de tsunami e acidente nuclear em Fukushima. Tem seu valor pela atualidade e mensagem de que o país tem tudo para se reconstruir.
A Osella para melhor contribuição técnica foi para a fotografia de Robbie Ryan na nova versão de O Morro dos Ventos Uivantes. É bonita, sem dúvida. E tem clima.O detalhe com essa versão da obra de Emily Brontë é que, pela primeira vez, o herói problemático Heathcliff é intepretado por um ator negro, James Howson.
A Osella para melhor roteiro ficou Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou do grego Alpis. Pode-se dizer que o roteiro é mesmo engenhoso. Meio sem alma, na verdade.
Na mostra paralela Horizontes, os principais premiados foram Kotoko (Japão) como melhor ficção, e o documentário Whores's Glory (Áustria e Alemanha) pelo Prêmio Especial do Júri.
Para não dizer que o Brasil passou em brancas nuvens, Girimunho, da dupla mineira Clarissa Campolina e Helvécio Marins, recebeu o Interfilm Award for Promoting Interreligious Dialogue.
Para finalizar com um comentário sobre a premição principal do júri presidido pelo norte-americano Darren Aronofsky: Fausto, o vencedor, era, de fato, um dos favoritos. Tinha pinta de campeão, como gente que segue festivais internacionais há muitos anos podia detectar sem dificuldade. Mas dois dos favoritos, Carnage, de Roman Polanski, e The Ides of March, de George Clooney, saíram de mãos abanando. Carnage, adaptado da peça de Yasmina Reza, montada no Brasil, era mesmo o favorito entre os 21 críticos que atribuem as temidas (e adoradas) estrelinhas no boletim do festival. Fausto vinha em segundo lugar. Foi um bom festival.