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Farrell e McGregor estão no novo filme de Woody Allen

'O Sonho de Cassandra' conta a história de dois irmãos que se envolvem com a mesma mulher

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Woody Allen foi sempre influenciado pela cultura européia - pela grande literatura russa e pelo cinema de Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. No começo de sua carreira, ele fez A Última Noite de Boris Grushenko, que não deixa de ser seu Guerra e Paz, mas naquela época Allen ainda não havia fixado um estilo - o que ocorreu somente depois, com Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) - e o filme se ressente disso. Veja também: Trailer de 'O Homem de Ferro'   Trailer de 'O Sonho de Cassandra'  Filme do 'Homem de Ferro' chega aos cinemas brasileiros Por volta de 1990, ele acertou a mão com Crimes e Pecados, o mais denso e sombrio de seus filmes da fase Mia Farrow, que não deixa de ser uma espécie de revisão norte-americana de Crime e Castigo. O divórcio (tumultuado) de Mia paradoxalmente liberou o autor para uma fase de comédias mais ligeiras. Com Match Point, ele voltou à gravidade anterior, mas de alguma forma mantendo a leveza adquirida na vida com a mulher, Soon Yi. Match Point era um ‘crime sem castigo’, baseado mais em Um Lugar ao Sol, o filme de George Stevens adaptado de Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser, do que propriamente em Dostoievski. A própria ausência de castigo já trazia a crítica de Woody Allen à amoralidade dos tempos modernos. O Sonho de Cassandra, seu novo filme, que estréia hoje, retoma Match Point para que o castigo agora se concretize. O filme estrelado por Colin Farrell e Ewan McGregor é divertido, inteligente, mas é outra confirmação - até prova em contrário - de que a fase das obras-primas já passou para Woody Allen. Paulo Francis observou certa vez que o casamento com Fanny Ardant havia pacificado François Truffaut. Bom para o homem, ruim para o diretor, dizia Francis, que preferia - como qualquer cinéfilo digno desse nome - os filmes anteriores de Truffaut. Talvez fosse só uma fase, mas a morte prematura impediu que o cineasta francês se reinventasse. Não é a mesma história da evolução de Woody Allen, mas vale assinalar que ele se tornou, cada vez mais, um cineasta do mundo globalizado. Sem apoio em Hollywood, Allen foi prosseguir sua obra na Inglaterra e, agora, na Espanha - o próximo filme, Vicky Cristina Barcelona, que estréia no Festival de Cannes, foi rodado em Barcelona, com capitais locais e Javier Bardem e Penélope Cruz no elenco. O Sonho de Cassandra conta a história de dois irmãos que se envolvem com a mesma mulher. Ela tira partido do seu poder de sedução - vira uma ameaça ao mundo masculino - e os induz ao assassinato. Os irmãos reagem diferentemente ao crime. Ewan McGregor tenta esquecê-lo e seguir em frente, beneficiando-se das vantagens que ele lhe proporcionou. Colin Farrell vive devorado pela culpa e se torna uma ameaça para o irmão. A família desintegra-se e tudo isso se constrói às sombra do mito de Cassandra, cujo nome batiza o barco que os irmãos compram (e restauram) e que termina sendo o motor para a tragédia que a ambos atinge. Allen, decididamente, quer ser mais sombrio, mostrando que o crime não compensa. É a idéia no centro de O Sonho de Cassandra (que mais parece um pesadelo). Em Match Point, você se lembra, a bola de tênis repica na rede e tanto pode cair para um lado como outro, simples questão de sorte. O repique volta a ocorrer em Cassandra, mas agora de um outro ângulo. As circunstâncias não são mais atenuantes. Allen está mais indignado. Nos melhores filmes que dirigiu (Annie Hall, Manhattan, Zelig, A Rosa Púrpura do Cairo, Crimes e Pecados e Maridos e Esposas, obra de ruptura, na arte e na vida), Allen foi sempre um investigador da linguagem. Em Crimes e Pecados, o irmão oftalmologista revela-se um monstro que não quer ver o sofrimento à sua volta - e o cego é o único que realmente consegue discernir as coisas ao redor. Não há um cego real - como em Dirigindo no Escuro -, a cegueira é puramente metafórica, mas o conflito é novamente entre querer enxergar, ou não. É uma idéia que vai além da relação entre os irmãos - e a trama ‘policial’ de O Sonho de Cassandra tem a ver com a falta de ética no mundo atual. O crime é encomendado por um empresário de ‘bem’ que quer (ou precisa) se livrar do sócio que se tornou incômodo, para não ser preso. O cinema vira espelho do mundo. Quem fica cego para o sofrimento do outro pode se dar bem (eventualmente). A consciência engendra a culpa e pode ser desastrosa. O Sonho de Cassandra é um bom, não grande, filme de Woody Allen. Muita coisa ali você vai ver que... já viu. A expectativa é que Allen deixe de navegar por águas tão tranqüilas e volte a surpreender, para maravilhar.

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