Exposição sobre Truffaut chega ao MIS

André Sturm, diretor do MIS, conta como não foi difícil trazer a exposição ‘Truffaut, Cineasta Apaixonado’

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Para a magnitude do evento, até que a exposição François Truffaut – Um Cineasta Apaixonado, que começa hoje para convidados no Museu da Imagem e do Som, se fez de maneira não apenas rápida como tranquila. “Na verdade, nem precisamos pedir. Foi a própria Cinemateca Francesa, por meio de Serge Toubiana, que tomou a iniciativa de nos contactar para ver se não gostaríamos de sediar a exposição de Truffaut”, conta o diretor do MIS, André Sturm. “O evento foi realizado na França para lembrar os 30 anos da morte do diretor. E, como a Cinemateca, leia-se Toubiana, havia ficado muito contente com a acolhida de São Paulo a outra exposição deles, a de Georges Méliès, tomaram a iniciativa de renovar a parceria. Para nós, foi maravilhoso.”

Várias vezes já foi noticiado que todo Truffaut vai desembarcar no MIS. Aqui, vale uma retificação – não é todo Truffaut. “A exposição é formada por fotos e documentos cedidos pela família à Cinemateca Francesa. São cartas, roteiros anotados, objetos de cena, figurinos, mais os filmes. Em princípio, não teremos os curtas, mas acho que um arranjo vai permitir que eles ainda cheguem. Três longas ficaram de fora – Fahrenheit 451, A Sereia do Mississippi e O Garoto Selvagem.” Mas justamente L’Enfant Sauvage? O repórter protesta porque é seu Truffaut do coração. André Sturm esclarece: “Não houve nenhum tipo de censura, nem de lá nem de cá. O problema é de direitos. Esses três filmes pertencem às majors (grandes empresas de Hollywood).”

S11 ARQUIVO 3/07/2015 CADERNO 2/ CINEMA 

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A exposição também foi adaptada para o MIS. Na Cinemateca Francesa, foram criadas vitrines para abrigar o material. Aqui, são caixas de madeira que se transformam em bobinas de filmes, e os fotogramas vão compondo o material. O MIS também inova em relação à Cinemateca. “Criamos três instalações para destacar filmes muito especiais”, conta Sturm. Um deles é Jules et Jim, que Truffaut adaptou em 1961 do romance de Henri-Perre Roché e que, no Brasil, recebeu o título de Uma Mulher para Dois. Sturm não antecipa a instalação para não quebrar o impacto, mas diz que tem a ver com a cena da ponte (no final) e que o objetivo é levar o público a interagir, integrando-o na ação.

E por que Jules e Jim? “Porque é o ‘meu’ Truffaut”, confessa o diretor do MIS. Cinéfilo de carteirinha, Sturm fundou uma distribuidora – a Pandora – para trazer ao Brasil os filmes de arte que gostaria de ver como espectador. Além de distribuidor, tornou-se exibidor e reergueu o Belas Artes, cuja nova versão completa seu primeiro aniversário no próximo domingo, dia 19. A todas essas funções, Sturm acrescentou as de roteirista e diretor de cinema, e a de diretor do MIS. Sob sua direção, o museu tem sediado exposições importantes. Já abrigou eventos dedicados a Georges Méliès, Stanley Kubrick, David Bowie e ao Castelo Rá-Tim-Bum. Kubrick e Bowie fizeram muito sucesso e atingiram público de 80 mil visitantes (cada), mas o Castelo superou toda expectativa – “Fizemos cinco vezes mais. Foram 410 mil pessoas visitando o museu por causa do Castelo. Isso aqui virou uma loucura”, reflete Sturm.

Ele não fixa números nem trabalha com uma possível estimativa de visitantes para a exposição de Truffaut, mas, como cinéfilo e admirador do diretor, espera que seja muita gente. “O Castelo foi particular porque atraía crianças e seus pais e também porque, devido à duração do programa, virou uma coisa de geração. Havia aqui pais, avós, tios e muitas, muitas crianças”, ele lembra. E agora Truffaut. Na entrevista que deu ao Estado, publicada na segunda-feira, dia 6, Serge Toubiana, como diretor da Cinemateca Francesa e curador do evento, lembrou que a morte de Truffaut provocou verdadeira comoção na França.

E enumerou motivos – Truffaut foi o primeiro diretor da nouvelle vague a morrer, e morreu cedo, com apenas 52 anos. Era muito conhecido – havia sido um crítico virulento e, como diretor, fez filmes de grande sucesso. Tudo isso criou um clima que se traduziu por verdadeiro luto nacional. Passados mais de 30 anos, novas gerações de espectadores continuam (re)descobrindo os filmes de Truffaut, e isso também vai ocorrer em São Paulo. Chefe de fila – com Jean-Luc Godard – da nova onda que floresceu no cinema francês na segunda metade dos anos 1950, Truffaut adorava contar histórias. Fez filmes sobre a infância, inclusive a sua, incursionou pelos gêneros (ficção científica e policial), celebrou seu amor pelo cinema, mas, acima de tudo, Truffaut fez filmes sobre a paixão amorosa.

Essa talvez seja a vertente mais importante de sua carreira – para Truffaut, o amor se vive no embate entre o gesto instintivo e a palavra que, por ser reflexiva, muitas vezes choca-se com a paixão. Truffaut filmou a educação sentimental, por meio de seu alterego, o personagem de Antoine Doinel, que vimos crescer diante de sua câmera, a partir de Os Incompreendidos (Les Quatre-Cents Coups), de 1959, e sempre na interpretação de Jean-Pierre Léaud. Embora tenha feito filmes com e sobre casais, encarou a variação amorosa. Uma mulher para dois (Jules e Jim), duas mulheres para um homem (As Duas Inglesas e o Amor). Truffaut chegou a filmar o amor como entropia – em Adèle H, a filha de Victor Hugo apaixona-se pelas ideias do amor e persegue um homem com o qual, no limite, não quer contato físico.

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A educação não é só sentimental – O Garoto Selvagem é sobre menino criado entre animais e que, de volta à civilização, descobre a linguagem (e a cultura) graças ao esforço paciente de um homem, o professor Itard, e é sintomático que o próprio Truffaut tenha se reservado o papel. E houve também o amor pelo teatro (O Último Metrô), pelo cinema (A Noite Americana), pelos livros (Fahrenheit 451). E sempre – pelas mulheres. Um cineasta apaixonado, e apaixonante. O próprio Toubiana virá a São Paulo para a exposição. Repetirá o que disse na entrevista ao Estado. O ‘seu’ Truffaut varia segundo a época e as estações, mas ele tem um carinho especial por O Homem Que Amava as Mulheres. Charles Denner faz um personagem inspirado no próprio Truffaut. Não é menos que comovente.

UM CINEASTA APAIXONADO MIS. Avenida Europa, 158. Tel.: 2117-4777. 3ª a Sáb., 12h/20h. Dom. e Feriado, 11h/19h. Fechado 2ª. R$ 10 (3ª grátis). Até 18/10

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