Eurochannel homenageia Tonino Guerra

Ciclo na TV paga reúne alguns dos grandes filmes do roteirista, como Ginger & Fred, de Fellini, e O Mistério de Oberwald, de Antonioni

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Por Agencia Estado
Atualização:

Michelangelo Antonioni começa a rodar num par de meses o seu novo filme. Será um esquete do filme-múltiplo Eros, escrito por Tonino Guerra. O tema comum aos três episódios é o erotismo e os outros dois serão dirigidos possivelmente, por Pedro Almodóvar e por um diretor chinês que vive em Paris chamado... Tonino Guerra não se lembra do nome. Ele dá essas informações numa entrevista por telefone. O grande roteirista, um dos maiores da Itália, recebe a homenagem do Eurochannel, da TVA, que anuncia, a partir de amanhã e todas as quintas-feiras deste mês, um ciclo de filmes por ele escritos. Começa com o curta animado A Longa Viagem, em que o diretor Andrei Khrjanovski usa os desenhos de Federico Fellini para viajar pelo imaginário do grande artista, e exibe, na seqüência, Paisagem na Neblina, de Theo Angelopoulos. Nas próximas semanas serão exibidos: Ginger & Fred, de Fellini; A Noite de São Lourenço, de Palo e Vittorio Taviani; e O Mistério de Oberwald, de Antonioni. Tonino Guerra sente-se lisongeado com a homenagem. Quer saber tudo: como, onde, por quê? Exclama: "Não me avisaram, não sabia de nada!" Sente carinho pelo Brasil. Pede que envie um abraço àquele ´gran cantante´ que homenageou Fellini e que ele conheceu em Rimini. Caetano Veloso... A colaboração mais extensa foi com Antonioni. Começou com A Aventura, em 1960, prosseguiu com os demais filmes da trilogia da solidão e da incomunicabilidade (A Noite e O Eclipse), e chega agora ao episódio de Eros, depois de passar por Além das Nuvens. Homem da palavra, poeta, Tonino Guerra diz que com Antonioni é preciso estar atento para a importância que o silêncio tem nos filmes do autor italiano. Ele também colaborou diversas vezes com Fellini, tendo sido indicado para o Oscar de roteiro por Amarcord - que ganhou o prêmio da Academia de Hollywood para o melhor filme estrangeiro. Define Fellini como "um monstro de fantasia", mas diz que possuía imensa ternura. Conta que Fellini e ele escreveram Amarcord em oito dias, baseados nas lembranças de ambos, que passaram a infância e a juventude em cidades vizinhas da mesma região (Romagna), perto do Mar Adriático. E la Nave Va demorou um pouco mais: 12 dias. Ele vai lembrando isso até chegar ao que lhe parece importante. "Escreva que nada, da minha colaboração com Federico, me parece tão grande quanto o final de Ginger & Fred." Diz que foi amigo de Marcello Mastroianni e um grande admirador do ator. Quando ele dança com Giulietta Masina e cai, no fim, "é a humanidade inteira que cai". Essa "caduta" entristece Tonino Guerra. O filme de Fellini é de 1985 e, nos 16 anos decorridos desde então, o processo de globalização criou um mundo de desigualdades e privilégios, do qual parece ter sido abolido, como algo demodê, o bom e velho humanismo. "A ausência de crenças, de ideais, a perda do sentido do coletivo, o individualismo exacerbado são as grandes tragédias do nosso tempo." Aos 80 anos, lamenta ter vivido tanto para ver essa verdadeira negação dos sonhos de sua geração, formada por artistas e políticos de esquerda que sonhavam mudar o mundo, criando uma sociedade mais justa e mais humana. Refugia-se nas palavras, escrevendo a sua poesia e os seus roteiros, o que não quer dizer que se tenha transformado num alienado. Resiste à barbárie, continua acreditando na arte. A poesia completa sairá na Espanha em outubro. "Já fui traduzido para várias línguas", diz. Além do tríplice roteiro de Eros, escreveu também o do próximo filme de Angelopoulos, ainda sem título. "Theo começa a rodar em setembro", informa. Será um filme de amor, uma história que atravessa todo o século 20. Não poupa elogios a Angelopoulos, a quem considera o maior diretor da atualidade. Quer saber por que o repórter não cita outros grandes diretores com quem trabalhou. Quando descobre o por quê, lamenta que não estejam no ciclo do Eurochannel os filmes que fez com Francesco Rosi e Andrei Tarkovski. Para ele, O Sacrifício é um dos mais belos filmes já feitos. "Andrei era cheio de espiritualidade", conta. Diz que foi um privilégio ter trabalhado com todos esses artistas. Sabe que deu sua contribuição para criar, nos filmes deles, emoções que nós, espectadores, carregamos pela vida.

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