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Eugenio Barba abre sua Torre de Babel

Em A Vida Crônica, diretor italiano reúne imigrantes de vários países

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Mudam os tempos, mas não a maneira como certas coisas nos afetam. “A morte de quem amamos, a experiência do exílio, a emoção do enamoramento. Tudo isso transcende a história, não muda”, acredita Eugenio Barba, diretor italiano, que há quase 50 anos conduz o grupo Odin Teatret, na Dinamarca.

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Em A Vida Crônica, novo espetáculo de sua companhia que chega hoje a São Paulo, Barba desloca as ações no tempo: o que vemos acontece no ano de 2031, logo após ao que seria a Terceira Guerra Mundial. Para ele, porém, esse não é um exercício de previsão do porvir, mas uma reflexão sobre o que se passa hoje à sua volta. “Ninguém pode enxergar o que está adiante”, comentou ele, em entrevista ao Estado. “Olhar para o futuro, portanto, é uma forma de revelar as maneiras que temos de pensar sobre o presente.”

A situação que a peça apresenta encontra, de fato, reverberações no que acontece atualmente na Europa. No palco, imigrantes de diversas nacionalidades tentam integrar-se a um país e a uma cultura que não lhes pertence. Uma refugiada chechena, uma dona de casa romena, um advogado dinamarquês, um músico das ilhas Faroé, uma violinista italiana. São cidadãos de lugar nenhum. “Enfrentando reações de rejeição ou de comiseração”, observa o encenador.

Só que esses personagens também vivenciam relações que independem completamente do lugar onde estão. Há a viúva que nunca conseguiu desvencilhar-se do marido morto. Ou o menino que atravessa o oceano em busca do pai desaparecido. “São acontecimentos comuns. O que pode torná-los interessantes aos espectadores é a forma de apresentá-los”, crê o encenador. “Mais ou menos como acontece com os grandes romances. O que se passa em Anna Karenina? Uma mulher burguesa dorme com um oficial. É banal. Mas algo nos faz continuar a ler esse livro.”

Aliás, a história desse jovem que procura o pai foi retirada também de uma obra literária, Pedro Páramo, romance de Juan Rulfo. “É um tema muito simples. Mas é impressionante como o público se conecta com isso.”

Lançada em 2011, a montagem já percorreu boa parte do continente europeu. Faz agora sua primeira turnê pela América Latina. Mas a distância de seu contexto original não deve alterar o impacto “político” da obra. “São Paulo é uma metrópole construída por pessoas que não necessariamente nasceram aqui”, diz Barba. “São nordestinos ou italianos ou bolivianos que vieram para cá para mudar suas vidas.”

A contrabalançar a dimensão prosaica dos enredos que aborda, A Vida Crônica apega-se a dois traços que são pilares do trabalho do Odin Teatret. Desde sua fundação, em 1964, a companhia apresenta espetáculos que não pretendem defender ideias ou entreter a quem assiste. “Não tenho respostas. Só estou fazendo perguntas e apresentando-as de uma maneira teatral, paradoxal”, considera o criador.

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Outro ponto constante nessa trajetória é a procura por uma encenação extra cotidiana. Em A Arte Secreta do Ator (1983) – livro do diretor que é um clássico entre os estudos de artes cênicas –, ele já conceituava formas do ator organizar a sua representação de uma maneira diferente daquelas que encontramos na vida real. Aproximando a criação artística da sacralidade de um ritual. “O ator tem que fingir uma espontaneidade, reproduzir a emoção da primeira vez todos os dias. Isso não é cotidiano. Mas também precisamos considerar que essa não é uma experiência cotidiana para quem vê. O teatro não é a forma de espetáculo da nova civilização. É o cinema, a televisão, o esporte.”

Para manter viva essa arte “anacrônica” – que custa muito e atinge a poucas pessoas –, Eugenio Barba não pode valer-se apenas de sua história e reconhecimento. Mesmo a figurar entre os grandes do século 20, ao lado de Ariane Mnouchkine, Peter Brook e Bob Wilson, ele revela gastar grande parte do seu tempo tentando conseguir sobreviver. Com sede na pequenina cidade de Holstebro, na Dinamarca, seu grupo recebe 40% de sua renda de subvenção pública. O resto precisa ser complementado com mecenato, a renda de bilheteria e o dinheiro que consegue arrecadar em outras atividades, sobretudo as pedagógicas. “E para que tudo isso? Para manter a minha autonomia, minha liberdade. Para não atender a modas ou intimidações. Continuo a fazer teatro para preservar o espírito de rebeldia de quando eu tinha 18 anos”, diz o diretor, aos 76.

A VIDA CRÔNICASesc Belenzinho. Rua Padre Adelino, 1.000, tel. 2076-9700. 6ª, 3ª e 4ª, 21h30; sáb. e dom., 18h30. R$ 8 a R$ 40. Até 6/11.

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