ESTREIA–Em "Praia do Futuro", Karim Aïnouz chega ao seu filme mais maduro

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Por Redação
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“A Praia do Futuro é perigosa”, diz uma personagem em “Praia do Futuro”, de Karim Aïnouz. Aqui, o lugar não é apenas um ponto turístico de Fortaleza: é um estado de alma, aquele da transição, do não-pertencimento, da busca incessante. Ao centro do filme estão três personagens tentando encontrar seu lugar no mundo. Donato (Wagner Moura) é um salva-vidas que não consegue resgatar o amigo do alemão Konrad (Clemens Schick). Isso, no entanto, é apenas o ponto de partida da história de amor entre esses dois homens. Escrito por Aïnouz e Felipe Bragança, “Praia do Futuro”, em cartaz no país a partir de quinta-feira, é um filme construído com lacunas. Há calculadas omissões na narrativa, e chamá-las de buracos seria pejorativo, como se tivesse sido um erro da dupla, quando, na verdade, essas ‘crateras’ escondem a verdade desses personagens. Suas principais decisões não são vistas, pois o diretor está mais interessado nos desdobramentos. A primeira delas acontece logo depois que Donato conta a Konrad que não conseguiu salvar o outro homem. O salva-vidas oferece carona e, na cena seguinte, os dois estão se atracando no carro e, pouco depois, num quarto de hotel. Como chegaram até ali? Qual a dinâmica que desenharam para chegar àquele momento? Nada disso está presente no filme e, no fundo, não faz a menor falta, pois em seus filmes (especialmente nos dois primeiros, “Madame Satã” e “O Céu de Suely”), Aïnouz filma corpos em movimento. A textura da pele, os fios de cabelo, o suor que escorre, tudo contribuiu, nem que seja de forma sutil, para a construção das narrativas e das personagens. Se a primeira parte de “Praia do Futuro” é ensolarada em Fortaleza, o que segue depois é numa Alemanha gélida, onde Donato é o estrangeiro (em vários sentidos). Não é uma adaptação fácil – não é apenas por causa do clima, mas também a língua e os costumes. Anos depois, quando finalmente parece estar encontrando o seu lugar, surge um fantasma do passado: o irmão caçula, Ayrton, vivido por Jesuíta Barbosa, que desde que apareceu na tela do cinema no ano passado com “Tatuagem” mostrou que é uma força da natureza – aqui, mais do que nunca. Konrad é o complemento de Donato. Ayrton, seu antagonista. Das pequenas disputas com o alemão, o ex-salva-vidas sai quase intacto, mas do embate com o irmão é que emergem suas maiores dores. Não sabemos direito quais são, apenas deduzimos, e aí surge com mais forma, escondida na composição do filme, a simbologia das crateras da narrativa. Aquilo que não sabemos da trama é o mesmo não-dito dos personagens. As coisas não precisam ficar explicitadas para que eles se entendam – nem para que nós entendamos o filme. “Praia do Futuro” é o filme mais maduro do diretor – parece o mais apurado e mais técnico. Aqui não há aquele desespero dos personagens, das imagens, dos diálogos de “O Céu de Suely” – o que existe é um minimalismo que dá conta de tudo aquilo. Não chamemos de excesso – porque Aïnouz nunca foi diretor de excessos –, mas aqueles momentos menos calculados, por assim dizer, fazem um pouco de falta aqui. O diretor amadureceu e com ele seu cinema – sem nunca deixar para trás aquilo que seus filmes sempre tiveram de inquietante. Há um quê proposital do cinema de Rainer Werner Fassbinder nesse novo trabalho do brasileiro que, em seus momentos mais viscerais, está na mesma medida do cineasta alemão. A Praia do Futuro é um lugar perigoso, mas vale ser enfrentado, pois é sempre bom lembrar: o medo devora a alma. (Por Alysson Oliveira, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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