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ESTREIA–Documentário "Dominguinhos" faz homenagem sensível ao cantor

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Por Redação
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“Que saudade matadeira eu sinto no meu peito. Faço tudo para esquecer, mas não tem jeito”. Este é só mais um dos muitos versos que Dominguinhos cantou e tocou com sua sanfona, transformando-a em um instrumento da saudade, sentimento que persiste no coração dos fãs do cantor, compositor e instrumentista desde sua morte em 23 de julho do ano passado. Uma emoção que deve ser reavivada em qualquer espectador do documentário “Dominguinhos”. Exibido na última edição do festival É Tudo Verdade, a produção conta com a codireção do montador e diretor de vídeos de peças teatrais Joaquim Castro, do pianista e compositor Eduardo Nazarian e da cantora Mariana Aydar. O trio conseguiu imprimir uma sensibilidade ímpar ao retrato da vida do sanfoneiro que respirava música igual ao ar que entrava no fole de seu acordeão, como sugerido em uma bela metáfora do longa. O filme é sensorial, indo além dos arquivos e depoimentos, para transportar o público ao universo do músico. Isso, graças ao excelente desenho de som do próprio Joaquim e de Edson Secco – ambos já trabalharam com Paula Gaitan, que tem como característica a exploração dos sentidos em suas obras –, capaz de levar, logo nos primeiros minutos de exibição, o espectador de volta para o aconchego do sertão. Os sons sertanejos se intercalam no meio da narrativa, quase cronológica, da vida de Dominguinhos. Ele já havia sido retratado no documentário “O Milagre de Santa Luzia” (2008), de Sergio Roizenblit, no qual o instrumentista viaja pelo Brasil para mostrar as diferentes formas regionais de se tocar o acordeão e os principais sanfoneiros do país. Mas agora o foco é só nele, por meio de entrevistas dadas pelo próprio compositor para a equipe do longa ou para programas televisivos – especialmente à TV Cultura, coprodutora do filme –, demonstrando logo que esta é uma história de Dominguinhos contada por ele mesmo. A voz off do cantor nesses depoimentos é preenchida por várias imagens de arquivo, algumas até da Cinemateca nacional, como as de Garanhuns (PE) na época da infância do então, simplesmente, José Domingos de Morais; migrantes nordestinos partindo em caminhões pau de arara; o Rio de Janeiro dos anos 1960 e 1970; os protestos durante a ditadura militar, entre outras coisas. O documentário tem ainda o trunfo de trazer apresentações raras e inusitadas do músico, como um ensaio intimista de Nana Caymmi chorando ao cantar com ele Contrato de Separação ou o lado jazzista dele, característico na capacidade de improvisação do instrumentista que nunca estudou música formalmente, mas sempre soube fazê-la de forma surpreendente. São mostrados também números especiais gravados para o projeto transmídia “Dominguinhos+”, que inclui, além do filme, uma websérie e vídeos inéditos no YouTube de duetos com grandes nomes da MPB, a exemplo de Djavan, Hermeto Pascoal, Hamilton de Holanda e Yamandu Costa, que foram apresentados no documentário. As parcerias são uma constante na carreira dele e o filme mostra que todos, há muito tempo, só queriam seu xodó. Gal Costa, de quem foi músico em uma de suas turnês; Elba Ramalho, que cantou muitas de suas canções; e Gilberto Gil, com quem compôs algumas músicas – como Eu Só Quero um Xodó, por exemplo, executada no filme com uma apresentação diferenciada dos dois –, são só alguns dos célebres nomes que passaram por seu caminho. Sua relação profissional e pessoal com seu padrinho musical, o rei do baião, Luiz Gonzaga, de quem herdou a missão de eternizar a sanfona na música brasileira, e a compositora e cantora Anastácia, com quem manteve um relacionamento, é contada no documentário. Mas, no geral, a vida pessoal dele não tem tanto destaque no filme, que se debruça mais sobre o músico, cantor e compositor do que sobre o homem em sua intimidade. Mesmo assim, terminados os 84 minutos de exibição, ainda se ressente a ausência de alguns trechos de sua carreira no longa. O que aplaca isso é a sequência final, com a fala de Dominguinhos sobre sua família e a solidão do artista junto às lágrimas vertidas ao tocar com a Orquestra Jazz Sinfônica um belo arranjo para De Volta Pro Meu Aconchego. É a prova que para superar a falta que a distância traz ele seguiu os passos de seu mestre: “Saudade, meu remédio é cantar”. (Por Nayara Reynaud, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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