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Estréia "Uma Outra Cidade", de Ugo Giorgetti

Documentário do diretor paulistano tem dupla estréia esta semana, na quarta, no Espaço Unibanco, apenas para convidados, e na sexta, para todos, na TV Cultura

Por Agencia Estado
Atualização:

É um documento extraordinário. Jean-Paul Sartre desembarca em São Paulo, procedente de Cuba. Desconhecidos o afagam no aeroporto, como se fossem íntimos do filósofo, e um repórter de rádio, que não fala francês, tenta tirar dele uma condenação a Fidel Castro, que teria desvirtuado a Revolução Cubana. Sartre faz o elogio a Fidel, diz que a Revolução Cubana continua no rumo certo. Ouvem-se aplausos, gritos de apoio. São Paulo no começo dos anos 60. A cena aparece no documentário Uma Outra Cidade, de Ugo Georgetti, que terá pré-estréia na quarta-feira, para convidados, no Espaço Unibanco, e no sábado, dia 11, passa na TV Cultura, às 21 horas. Georgetti é nome importante do cinema paulista, como sabem os espectadores de Festa, Sábado e Boleiros. Faz um belo trabalho em Uma Outra Cidade. O vídeo mapeia São Paulo por meio de seus poetas. Ou, melhor, de seis poetas que vêm dos anos 60 e permanecem unidos pelos laços do afeto e da amizade - Roberto Piva, Antônio Fernando de Franceschi, Cláudio Willer, Rodrigo de Haro, Jorge Mautner e Carlos Felipe Moisés. Logo após o título, um letreiro informa - São Paulo revisitada pelos poetas. Georgetti parte da cidade para chegar aos caros amigos. As transformações da cidade estão lá, a mutação de uma Sampa que ainda era provinciana no começo dos anos 60 para a metrópole avassaladora de hoje compõe o quadro. Mas o retrato, mais do que da metrópole, é de uma geração de intelectuais. O diretor conta que conhece esses personagens desde 1959. É amigo do grupo, diz que tiveram a mesma formação. "Participei à distância, como fruição, daquele momento cultural." O momento, ao redor de 1960. Os anos 60 iriam mudar tudo. Na França já haviam surgido a nouvelle vague e o nouveau roman. Os poetas talvez não fossem ruidosos como os modernistas de 22 (e não eram mesmo), mas queriam deixar sua marca na literatura e denunciar o conformismo, a hipocrisia da vida burguesa. Eram de esquerda, mas não participavam de nenhuma igrejinha. Foi até um dos motivos pelos quais Georgetti quis fazer o filme - "São pessoas maravilhosas, mas que quase sempre estiveram fora da mídia." Uma Outra Cidade é uma forma de resgatá-los, mas o diretor esclarece que não quis fazer um filme sobre literatura. Seu registro é mais afetivo. "Poderiam ser excelentes poetas e não ser muito interessantes como personagens mas são." Cita Jorge Mautner, o dublê de poeta e músico, que atravessa o filme não só falando (e recitando), mas tocando ao violino, acompanhado pelo inseparável Nelson Jacobina. Lei Mendonça - Há tempos que Georgetti vinha com o projeto desse filme. Iniciou a captação das imagens em abril, exatamente no dia 10, filmando um sarau no Teatro Municipal, que aparece diversas vezes. Georgetti diz ´filmei´, um hábito de diretor de cinema, mas na verdade gravou, pois se trata de um vídeo. Para tornar a produção viável, recorreu à Lei Mendonça, municipal, que estabelece a renúncia fiscal, mas não por meio do Imposto de Renda, como a Lei do Audiovisual, e sim do ISS e do IPTU. Por meio da Lei Mendonça, o investidor pode aplicar na produção cinematográfica até 70% dos impostos devidos. Encontrou apoio em duas agências - a Lew Lara Propaganda e a Carillo Pastore Euro Comunicação. Com o projeto definido, buscou o núcleo de documentários da TV Cultura. Fechou a parceria. O filme, cujo orçamento total é de cerca de R$ 280 mil, será agora mostrado na Cultura. Perfeccionista, Georgetti sofre, por antecipação, com a pré-estréia para convidados, na quarta. "Acho perigoso esse negócio de mostrar vídeo na tela grande." Por conta disso, resolveu retocar a iluminação, clareando certas cenas. A do filme de Sartre, que localizou no acervo da Cinemateca, por exemplo. Na sexta-feira, Georgetti estava trancado num laboratório cuidando desses retoques. Por mais fascinante que seja o grupo, São Paulo não deixa de ser personagem (e destacada). O objetivo declarado era mesmo reconstruir um momento pouco conhecido da expressão artística na Paulicéia. Cláudio Willer fala na Rua São Luís da época, que concentrava os bares de intelectuais, e aparecem imagens de Sérgio Hingst passando por aqueles bares no filme O Quarto. Como o próprio Georgetti se apressa em dizer, ele dispunha de vários filmes que são referenciais e poderiam fornecer-lhe as imagens da época. São Paulo S/A, de Luís Sérgio Person, por exemplo. Só que, embora admirador da obra-prima de Person, ele acha que é um filme muito citado. Voltou-se, então, para um filme que admira e considera subestimado. Diz que teve o insight vendo O Quarto numa reprise recente, na Cultura. O ex-crítico do jornal O Estado de S.Paulo, Rubem Biáfora, é o diretor. "Biáfora foi sempre discutido; tem uma obra pequena e desigual, mas gosto muito do Quarto e admiro imensamente o ator do filme, o Sérgio Hingst, que tem a cara de São Paulo." Aparecem cenas de outros filmes, até estrangeiros, que são referências importantes da época. A pesquisa iconográfica foi coordenada por Júlia Pacheco Jordão, uma jovem de 20 e poucos anos que Georgetti define como muito talentosa e com quem já trabalhou em Boleiros. É raro ver-se um filme brasileiro que discrimine, no final, a origem de todas as imagens que foram usadas. Ponto para Georgetti e sua equipe. Seus planos, a seguir, incluem um documentário sobre uma pequena igreja de Piracicaba, construída para imitar as igrejinhas da Toscana e que abriga, em seu interior, afrescos de Volpi. "Quero ir lá documentar antes que algum maluco passe uma mão de tinta em cima de tudo." E não desistiu do longa de ficção O Príncipe. O problema é a captação, que está difícil. "Estamos aguardando o fim do ano, quando as empresas decidem quanto e no que vão investir." Mas anuncia que faz o filme de qualquer jeito, mesmo que tenha de levantar os recursos por meio de sua produtora.

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