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Estréia "Terra de Ninguém", ganhador do Globo de Ouro

O diretor Danis Tanovic expõe tragédia da Bósnia através de uma situação surrealista de confronto entre dois soldados inimigos, um bósnio e outro sérvio

Por Agencia Estado
Atualização:

A atualidade política pode ter garantido o Globo de Ouro a Terra de Ninguém, derrotando o favorito O Fabuloso Destino de Amélie Poulin, da França, e o brasileiro Abril Despedaçado, que corria por fora. Mas é acima de tudo a qualidade que garante o sucesso do filme de Danis Tanovic, que mostra uma situação surrealista, acontecida em tempo de guerra. Certo, a história é fictícia mas poderia perfeitamente bem ter-se passado na realidade. Terra de Ninguém estréia nesta sexta-feira, em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador. Basicamente, trata-se da história de dois soldados, Chiki e Nino, um bósnio, outro sérvio, portanto inimigos mortais embora falem idiomas praticamente iguais e pertençam a culturas próximas. Durante o conflito da Bósnia, em 1993, eles ficam ilhados em uma fronteira situada no meio da zona de conflito - na terra de ninguém de que fala o título. Junto com eles, um soldado ferido, que tem uma mina sob o corpo. Se ele se levantar, ou mesmo se movimentar muito, manda tudo pelos ares, a começar por ele próprio e incluindo amigos e desafetos. Trata-se de um espaço ficcional fechado e ameaçador, que obriga os rivais a esta interessante situação dramática: se quiserem sair com vida, devem colaborar - pelo menos temporariamente. Para adicionar alguns ingredientes ao problema, chega à cena do crime um oficial francês das Nações Unidas, que tem ordem de não intervir, mas decide ignorá-la e ajudar os soldados. Chega também a inevitável repórter de televisão que encontra no incidente uma bela oportunidade para um furo jornalístico. A idéia geral do filme já foi aproveitada diversas vezes pelo cinema: a guerra, tida ora como natural, ora como inevitável, é absurda quando tomada em sua essência. O sentido poético desse conceito foi trabalhado como nunca em A Grande Ilusão, de Jean Renoir. Ou levado à condição de sátira total no insuperável M.A.S.H., de Robert Altman. Como drama, talvez tenha seu pico mais significativo em Apocalypse Now, de Francis Coppola, mas quem falar na lógica enviesada da guerra não pode omitir Ardil 22, de Mike Nichols. Terra de Ninguém incorpora essas tradições variadas, de maneira modesta e original. Modesta porque não pretende ir além das sandálias, como se diz. Tanovic filma sob o regime da urgência e não parece esperar nenhuma transcendência em seu trabalho. Intervém no momento, premido por uma situação real intolerável, como é a dos Bálcãs. Mas é inventivo até mesmo na maneira como mistura os registros de tom. A situação que serve como cenário é mais do que séria - a guerra civil que dividiu a antiga Iugoslávia e produziu mais de 200 mil mortos e 2,5 milhões de refugiados. Até um certo momento da história, parece que o filme vai se acomodar na dimensão da comédia, e de fato algumas das situações criadas funcionam como esquetes humorísticos, o exemplo maior sendo o do soldado que não pode se mexer para não detonar a bomba. São cenas cômicas. Pelo menos até revelarem seu lado trágico, pois é para a tragédia que a história se encaminha. Contexto - E os elementos são dispostos de modo que o microcosmo dos personagens reproduza o contexto mais amplo da guerra. Chiki (Branko Djuric) e Nino (Rene Bitorajac) são os pólos inconciliáveis. O comando das Nações Unidas representa aquele alto generalato que não quer problemas e não deseja sujar as mãos mais do que o necessário. Jane (Katrin Cartlidge), a repórter, personifica a presença da imprensa no local de conflito. Em geral demonizada, a imprensa está lá para fazer seu trabalho, relatar fatos, o clima geral, histórias pessoais. Faz parte de um contexto mais amplo, a avidez do público por notícias espetaculares. A cada vez que existe um conflito, esse papel da mídia é analisado, e a cobertura pela TV, sobretudo depois da experiência da CNN no Iraque, em 1990, mostra-se mais espetacularizada. Quer dizer, a guerra é, também, um show muito rentável. O drama dos soldados acontece nesse meio viciado. Cada um deles quer se livrar do inimigo, seus companheiros distantes no fundo estão pouco ligando para o destino dos outros, e quem deveria mediar o conflito prefere a neutralidade porque menos trabalhosa e pouco comprometedora. A TV está lá para brigar por audiência e a profissional faz seu trabalho com toda a competência, não importa se semeando vítimas à sua volta. Entre a indiferença de uns e o interesse espúrio de outros, há espaço em Terra de Ninguém para um pouco de idealismo. E este aparece na figura do militar francês, que bem poderia lavar as mãos, como todo mundo, mas resolve intervir. Vai contra seus superiores, vai contra seu instinto de sobrevivência, pelo simples motivo de que sua consciência pede uma solução para aquele impasse. Há gente assim neste mundo, eles não são maioria nem costumam se dar bem. Na maior parte das vezes, nem conseguem influenciar a ordem das coisas. Mas é melhor que existam. Representam uma certa resistência à barbárie e isso já é muito. Serviço ? Terra de Ninguém (No Man´s Land). Drama. Direção de Danis Tanovic. Fra-It-Bél-R.Unido-Slovênia/2001. Duração: 98 minutos.

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