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ESTREIA-Sokurov recria em 'Fausto' personagem atormentado de Goethe

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Por Redação
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Saindo de um hiato de filmagens de quatro anos, depois de "Alexandra" (2007), o diretor russo Alexandr Sokurov venceu o Leão de Ouro em Veneza em 2011 por sua livre adaptação de "Fausto", a obra monumental do alemão Johan Wolfgang Goethe. Tomando para si a lenda do homem da ciência que vende sua alma ao diabo em troca de experiências extraordinárias, Sokurov transforma a história no capítulo final de sua tetralogia sobre o poder, antecedida por "Moloch" (1999), que dissecava Adolf Hitler; "Taurus" (2001), sobre Vladimir Lênin; e "O Sol" (2005), sobre o imperador japonês Hiroíto. Não é simples, nem imediato, enxergar a conexão de "Fausto" com aqueles líderes políticos tão notórios. O próprio diretor russo recusou-se várias vezes a fornecer pistas sobre o assunto. De modo geral, é possível identificar uma ligação com a ideia de decadência e ilusão que Sokurov sempre coloca como indissociáveis do poder. E pode-se facilmente ver no seu Fausto (o ator alemão de TV Johannes Zeiler) um homem disposto a trocar sua alma por uma migalha que seja de poder. Sokurov muda o contexto original da obra de Goethe, retirando a este Fausto a disposição de debater com o diabo (Anton Adasinsky). Fausto, aqui, é um cientista e alquimista empobrecido, louco para obter algum dinheiro e que acaba, por isso, na casa de penhores do demônio Muller, um agiota -- profissão que permite vê-lo como metáfora de um sistema financeiro selvagem. Fausto não desconhece a natureza maligna de Muller, que recusa todos os objetos que este lhe oferece para penhora, mas o atrai para um vertiginoso passeio por uma cidade, ao final do qual Fausto terá cometido um assassinato sem motivo, do jovem soldado Valentin (Florian Brückner). Mais perplexidade do que culpa atormenta Fausto, que passa a desejar avidamente a irmã do soldado morto, Margarete (Isolda Dychauk), o que aumenta o controle do diabo sobre ele, e por isso não tarda a obter o que deseja, a alma do cientista. Convocando como diretor de fotografia o francês Bruno Delbonnel (de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"), Sokurov imprime ao seu filme um movimento vertiginoso de câmera que não é habitual em sua filmografia. Na cenografia, mais uma vez recorre ao habitual repertório calcado na pintura holandesa e flamenga, com um composto de cinzas que lembra muito os quadros de Rembrandt. Um close do rosto de Isolda Dychauk faz lembrar das obras de Vermeer. Mais intrigante é a distorção de imagens inserida em várias sequências, que alguns espectadores do filme em festivais confundiram com problemas de projeção. Nada disso. Estas distorções são propositais e contribuem para reforçar o clima de pesadelo moral, num mundo sem cores nem esperança de paraíso, que Deus parece há muito tempo ter abandonado. (Por Neusa Barbosa, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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