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ESTREIA-Personagens à beira do suicídio se encontram em 'Uma Longa Queda'

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Por Redação
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Quatro pessoas, de personalidades totalmente diferentes, se encontram no terraço de um dos prédios mais altos de Londres, em plena noite de Ano-Novo, para dar fim a suas vidas. A confusão do encontro inusitado faz com que elas adiem a tentativa de suicídio e firmem um pacto de não se matarem até o Valentine's Day, em 14 de fevereiro, data do dia dos namorados em vários países, como a Inglaterra. O enredo aparentemente absurdo ganha verosimilhança com a “multinarrativa” – os quatro personagens narram suas desventuras, cada um à sua maneira – criada por Nick Hornby no livro Uma Longa Queda, capaz de mostrar a complexidade das razões que os levam a tentar acabar com suas vidas e das que os fazem permanecer vivos. A versão cinematográfica do best-seller tinha todo o potencial para alcançar o sucesso de crítica e público de outras adaptações de obras literárias do autor, a exemplo de “Alta Fidelidade” (2000) e “Um Grande Garoto” (2002), ou de “Educação” (2009), que tem roteiro do escritor. No entanto, “Uma Longa Queda” (2014) decepciona não só os leitores de Hornby como o público em geral, que verão suas expectativas diminuírem aos poucos no decorrer de uma hora e meia de exibição do longa. Isso porque, com um argumento tão inusitado quanto esse e um tema tão ignorado como o suicídio, o que se espera é uma obra mais madura, independente do seu lado cômico. Mas não é isso que o roteirista Jack Thorne, mais conhecido pelo trabalho em séries inglesas como “Skins” (2007-2009), e o diretor Pascal Chaumeil, responsável pelas comédias românticas francesas “Como Arrasar um Coração” (2010) e “Um Plano Perfeito” (2012), fazem nesta produção anglo-germânica. O longa começa com o encontro de Martin (Pierce Brosnan), o ex-apresentador de TV que teve sua vida arruinada, perdendo o emprego, a família e a liberdade após se envolver com uma menor de idade; de Maureen (Toni Collette), a mãe sem perspectivas de Matty (Josef Altin), um jovem com graves deficiências físicas e mentais; de Jess (Imogen Poots), a garota amalucada, filha de político, que se aflige por ter sido largada pelo namorado, além de sofrer as consequências em sua família do desaparecimento da sua irmã; e J.J. (Aaron Paul), o músico fracassado que virou entregador de pizza e diz aos outros colegas suicidas que tem um câncer cerebral incurável. Mas esse momento, que ocupa a primeira parte do livro praticamente inteira, leva apenas alguns minutos na tela e as ações que ocorrem na sequência, ainda naquela noite de réveillon com muita neve caindo, são atropeladas e facilmente concluídas com um nascer do sol para trazer esperança após aquela madrugada supostamente triste. Inversamente, a viagem a Tenerife que, apesar de importante na obra literária, consome poucas de suas páginas, ganha grande espaço na produção cinematográfica, porém com um tom de viagem ensolarada de férias do “clube suicida” – ou da gangue como Jess gosta de falar –, em uma fuga capaz de solucionar seus problemas. A mudança nas ações, nas características dos personagens secundários e até pontuais nos protagonistas é justificável em uma adaptação, mas Thorne e Pascal apenas tentam seguir alguns pontos principais da trama, alterando-os e não contextualizando-os, além de não dar profundidade aos pensamentos em conflito dos membros do quarteto. Para parecer que dão voz aos protagonistas há um momento reservado para cada um, com direito a grafismo com nome e fala em off, tão rápido quanto a queda livre de um prédio de 30 andares. Obviamente, não é o suficiente para que eles sejam totalmente compreendidos pelo público, que deverá se questionar sobre a importância das razões que os levaram para aquele terraço. O maior exemplo é a diluição do drama de Maureen, cuja dor de sua relação com Matty é praticamente suprimida do roteiro. É a atuação competente de Toni Collette que devolve a complexidade de sua personagem. Aliás, a parte feminina do elenco é que chama mais atenção, também com Poots fazendo uma personagem ao mesmo tempo impulsiva, desbocada e carismática, frente à performance pouco inspirada do ex-James Bond, Pierce Brosnan, e do ex-astro de “Breaking Bad” (2008-2013), Aaron Paul. Tecnicamente, “Uma Longa Queda” é uma produção bem feita – destaque para a fotografia de Ben Davis – e até prazerosa para o espectador que resolver apenas curtir o filme, sem se importar que ele transforme o suicídio em algo de fácil solução. Mas não deixa de ser surpreendente que o próprio Nick Hornby dê o aval, já que ele foi produtor executivo do longa, para uma adaptação que contradiz o espírito do livro de que a vida continua difícil como sempre foi e que sempre haverá o medo e o desejo de cair desta corda bamba. Contraria até um de seus personagens, pois, segundo o Martin narrador, o problema dos jovens é que eles “passaram a vida vendo finais felizes na tevê” e pensam que “tudo pede um fim, com sorrisos, lágrimas e acenos”. Mas será que o público realmente quer isso sempre? (Por Nayara Reynaud, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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