Estréia O Tempo Que Resta, filme de François Ozon

O longa é o segundo episódio do que o diretor define como trilogia sobre a morte, iniciada com "Sob a Areia". O último ele não sabe quando terá coragem de realizar

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

François Ozon é belo, jovem, rico e talentoso. Com todas essas credenciais você poderia imaginar que ele estaria rindo à toa, feliz da vida. Mas não - Ozon é obcecado por amores infelizes e pela morte. No Festival de Berlim, no ano passado, o repórter perguntou-lhe o porquê disso. O diretor de "O Tempo Que Resta", que estréia nesta sexta-feira, deu um raro sorriso - "Ser bonito e rico é garantia de felicidade?" Não é, claro, mas ajuda. Depois de "Sob a Areia", O"ito Mulheres e "O Amor em Cinco Tempos", Ozon volta com outro filme radical. "O Tempo Que Resta" é o segundo episódio do que ele pretende venha a ser uma trilogia sobre a morte. O primeiro, "Sob a Areia", mostra essa mulher que não sabe se o marido morreu na praia e, sem o cadáver, não consegue realizar o luto. O segundo, "O Tempo Que Resta", conta a história desse jovem (Melvil Poupaud) que sofre de câncer generalizado e sabe que vai morrer. Um filme sobre a morte do outro; o segundo, sobre a própria morte. O fecho da trilogia, Ozon não sabe quando terá coragem de realizar - será um filme sobre a morte de uma criança e ele antecipa que será o mais doloroso dos três. Mesmo tratando de um tema, literalmente, tão terminal, "O Tempo Que Resta" é denso, mas não aflitivo, mesmo ao tratar de assuntos e situações que, às vezes, convidam à depressão. O segredo de Ozon está na serenidade adquirida, por ele e seu personagem. Numa cena, o fotógrafo Romain visita a avó, interpretada por Jeanne Moreau, e lhe conta - e somente a ela - que está morrendo. Ela quer saber por que o neto lhe faz a confissão tão íntima. Ele diz cruamente - acha que a avó conseguirá compreendê-lo melhor que ninguém pela sabedoria adquirida com o tempo também porque, como velha, teoricamente está bem perto de morrer. Ozon, que inverteu a temporalidade da narrativa de O Amor em Cinco Tempos, é aqui linear. A câmera está sempre grudada em Romain, acompanhando-o no trabalho, na consulta médica e, depois, na viagem que ele realiza como reencontro interior, até o derradeiro ato na praia - sempre a praia, no cinema do autor -, numa cena que evoca o desfecho de Morte em Veneza, de Luchino Visconti. Ao contrário de "Sob a Areia", que se constrói na ambigüidade - a incerteza da morte do marido, que assola a personagem de Charlotte Rampling -, Ozon queria que, em "O Tempo Que Resta" não houvesse nenhuma dúvida. Seu tema é a irreversibilidade da caminhada desse homem que sabe que está condenado. Ele é um fotógrafo de moda e homossexual, talvez bi. Tem um amigo, mas Ozon fugiu ao que, para ele, seria um clichê - a morte por aids. "Hoje em dia, o coquetel prolonga a vida, mas a aids ainda continua associada à idéia da promiscuidade. Não queria que permanecesse nenhuma dúvida quanto à certeza da morte próxima e nem que o espectador formulasse um juízo moral sobre a vida afetiva e sexual de Romain. A morte por câncer generalizado surgiu como solução para o que queria dizer." O próprio fato de o protagonista ser um fotógrafo é importante. "De um lado me permite falar no culto à beleza na sociedade da imagem. De outro, coloca em xeque o cinema como veículo de vida e morte. Romain poderá permanecer como imagem, mas na própria imagem está a negação da existência concreta." Romain também não age como o Cyrill Collard de Noites Felinas, querendo viver seus últimos dias com frenesi. "Queria que fosse tudo muito simples e despojado, sem heroísmo nem desespero. É uma situação visceral, mas como se vive nessas condições? Quais as decisões que é preciso tomar?" Mais importante do que reconciliar Romain com os outros (a família, o amante, os colegas), era reconciliá-lo consigo mesmo. "Quando insulta o amante e força a ruptura, Romain está criando as condições para que ele faça o luto que aflige a mulher de Sob a Areia", avalia o diretor, que também assina o roteiro sozinho. Significativamente, o filme que Ozon viu como preparativo para o atual foi Morangos Silvestres, o clássico de Ingmar Bergman, de 1958. "É comum as pessoas dizerem que os velhos voltam à infância. Olhar a morte é um pouco como se confrontar a si mesmo como criança. Bergman foi uma referência importante para mim, mesmo que não adote a estrutura do filme dele. Não há nada de extraordinário em "O Tempo Que Resta", não existe aquela vida cheia de significado do professor Isak Borg. Apenas atmosferas, olhares, poucas palavras. Mas eu carrego Bergman dentro de mim e o filme reflete isso." O Tempo Que Resta (Le Temps Qui Reste, França/ 2005, 85 min) - Drama. Dir. François Ozon. 16 anos. Espaço Unibanco 1 - 14h30, 16h20, 19h20, 21h10 (2.ª não haverá 21h10). Unibanco Arteplex 7 - 13 h, 14h40, 20h30, 22h10. Cotação: Bom

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.