ESTREIA-'Marighella' faz retrato emotivo de líder guerrilheiro

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Por Redação
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Carlos Marighella, o líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), morto em 1969 numa ação do aparelho repressivo durante a ditadura militar, vive hoje ao lado de uma grande cantora popular e de um santo católico, na Salvador onde nasceu em 1911. Ele dá nome a uma rua com formato de circuito de fórmula 1, contida pelas avenidas Gal Costa e São Marcos, o patrono de Veneza e discípulo dileto de São Pedro. É uma boa vizinhança para "o santo ateu" da esquerda brasileira, como o definiu o crítico Antônio Cândido no documentário "Marighella", de Isa Grinspum Ferraz, que estreia na sexta-feira. Nada como o tempo para acomodar as várias camadas poeirentas da realidade e criar uma terra sólida, onde podem brotar árvores vigorosas. Sobrinha de Clara Charf, viúva do comunista baiano, Isa levou muitos anos até conseguir reunir material suficiente para a produção de um filme equilibrado que, além de situar na história política do país a figura do líder comunista baiano - que pegou em armas contra o regime militar de 1964 -, joga luz sobre a história de sua família. Isa era criança quando Marighella foi morto pelo delegado Sérgio Fleury, em 1969, dentro de um fusca, na Alameda Casa Branca, no elegante bairro dos Jardins, em São Paulo. "Um dia, faz 40 anos, eu estava indo com meu pai para a escola e ele disse: 'Vou te contar um segredo: seu tio Carlos é o Carlos Marighella'", narra a própria diretora nas cenas iniciais do filme. "Tio Carlos era casado com tia Clara. Eles estavam sempre aparecendo e desaparecendo de casa. Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos cartazes de 'Procura-se'espalhados pela cidade". Aquele tio bem-humorado, que partia antes do sol nascer e voltava sempre com a escuridão, tinha uma vida misteriosa que ela não conhecia. Ele sumia por períodos prolongados e ninguém sabia onde se encontrava, nem mesmo sua companheira. Tempos depois ela descobria que ele tinha viajado clandestinamente para a União Soviética, para a China e para Cuba, onde treinou táticas de guerrilha que utilizou na volta, no confronto com o regime militar. O filme traz depoimentos comoventes da viúva, de seu filho, Carlos Augusto Marighella (da primeira mulher) e de antigos militantes da ALN que relembram seu passado, tanto na legalidade, quando o Partido Comunista Brasileiro disputou as eleições para a Assembleia Constituinte de 1946 - ele se elegeu deputado pela Bahia -, como na clandestinidade, quando comandava ações armadas. O crítico Antônio Cândido, sempre sereno em suas recordações, situa a figura de Marighella num período de engajamento dos intelectuais brasileiros que começou a ganhar corpo na década de 1930, quando ele próprio militava no Partido Socialista Brasileiro (PSB). "Em 1930, nenhum intelectual brasileiro se achava na obrigação de tomar uma atitude política. Depois de 1930, por causa do comunismo e do fascismo, todos passaram a sentir a necessidade de ter opção política. Aí os intelectuais passaram a ser fascistas, de direita, de esquerda, liberais, mas não puderam mais ficar omissos", afirma. Esse é o ambiente em que viviam os baianos Marighella, filho de um imigrante italiano e de uma negra descendente de escravos sudaneses, e do escritor Jorge Amado, que batizou o herói de sua trilogia "Os Subterrâneos da Liberdade", de Carlos. A trajetória política e revolucionária de Marighella é destacada por contemporâneos do líder da ALN, como Armênio Guedes, ex-dirigente do PCB, o historiador Jacob Gorender e outros antigos militantes que, mesmo reconhecendo erros estratégicos e políticos cometidos pelo companheiro, não deixam de reverenciar sua coragem, inteligência, cultura e retidão. Na trilha sonora, o rapper Mano Brown compôs a música que encerra o filme. A falta de mais registros sobre Marighella - não existem imagens dele em movimento - é compensada por imagens de arquivo do período estudado e fotografias familiares. Muito material foi perdido durante as invasões policiais aos locais onde ele vivia, ou mesmo destruído por ele, por motivos de segurança. Algumas gravações em áudio, de programas de rádio clandestinos, revelam um homem com voz pausada e pouco potente, que em nada combina com seu corpo avantajado e a imagem austera que exibia nos cartazes de "procura-se" e mesmo nas fotos familiares. Para a sobrinha Isa, permanece o homem sorridente que escrevia poemas, gostava de samba e se vestia de mulher no carnaval, mesmo quando estava sendo caçado pela polícia. (Por Luiz Vita, do Cineweb) * As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

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